--- Não sei porque eu ainda leio o jornal --- disse Luigi, jogando o maço de folhas em cima da mesa --- Sempre a mesma coisa! Fome, morte, lipoaspiração que não dá certo, a Angelina adotando mais uma criança africana. É sempre a mesma coisa!
Peter bocejou alto esticou os braços.
--- Leia a sessão de eventos. Sempre tem coisa legal.
Luigi revirou os olhos.
--- Claro. Alguma milionária leiloando suas jóias, ou alguma galeria de arte sendo inaugurada.
Peter se levantou e ficou atrás de Luigi, com as mãos em seu ombros.
--- Você está estressado. Não dormiu bem?
Luigi deu os ombros.
--- Só estou cansado. Tenho trabalhado demais, acho que estou deixando algumas coisas passarem.
--- Você gosta de fazer um bom trabalho, por isso está sempre trabalhando. Devia relaxar um pouco.
--- Amor, eu trabalho numa revista de moda. Não dá pra relaxar. Você só trabalha algumas vezes por semana, então pode descançar o quanto quiser.
Peter revirou os olhos e tirou as mãos dos ombros de Luigi, e se afastou.
--- Pelo menos eu não estou deixando nada passar --- disse Peter, resmungando, e saindo da cozinha.
Luigi correu até ele.
--- Peet, não foi isso que eu quis dizer, você sabe.
--- Tá.
Peter ia subindo as escadas, e de repente teve uma idéia.
--- Já sei. Vamos fazer uma coisa que faz tempos que não fazemos. Vamos viajar.
Luigi inclinou a cabeça.
--- Claro. Podemos ficar um ano viajando. E quando voltarmos, vamos enfiar palitos de dentes em nossas unhas --- Luigi se virou e voltou para a cozinha.
Peter desceu as escadas e foi atrás dele.
--- Luigi, pense. Três semanas em Nova York, só eu e você. Eu, você e o Tio Sam.
Luigi começou a rir.
--- Tá falando sério?
Peter foi até ele e abraçou-o.
--- Seríssimo. Quanto tempo faz que não passamos um tempo juntos?
--- Não faz muito tempo.
--- Só eu e você. Sem ninguem.
Luigi pensou tempo demais.
--- Viu? Demorou pra responder.
Luigi sorriu e deu um beijo em Peter.
--- Mas e seu trabalho? E o meu trabalho?
--- Eu posso falar com o Christopher, uma jogada de cabelo e um piscar de olhos.
--- Que linda.
--- E você --- continuou Peter --- Fale com Vittoria. Faz tempo que você não tira férias.
Luigi estava começando a ceder.
--- Nova York?
--- Sim.
--- Four Seasons?
Peter deu os ombros e fez pouco caso.
--- Pode ser. Suíte de luxo?
Luigi sorriu.
--- E champanhe. Vamos torrar nosso dinheiro.
Enquanto eles davam risada, Mick entrou pela porta da frente.
Estava animado.
--- Amores, amores, amores. Me ajudem a fazer as malas.
Peter e Luigi se entreolharam.
--- Aonde você vai?
--- Bom, á algumas semanas eu tenho procurando um apartamento. E achei. Me mudo amanhã.
Peter franziu a testa.
--- Vai sair daqui? Vai morar sózinho?
--- Claro, querido! Achou que eu ia ficar morando com vocês pra sempre?
Eu tinha certeza, pensou Luigi.
--- Ual, Mick, que legal. Parabens! --- Peter deu um abraço nele.
--- Obrigado Peet. Agora a melhor parte: Adivinha quem vai decora-lo?
Peter deu os ombros, esperando a resposta.
Mick olhava fixamente para ele. Luigi também.
--- Você, genio --- Luigi soprou em seu ouvido.
Peter olhou significativamente para Luigi. E Luigi deu os ombros.
--- Claro. Será um prazer --- disse Peter, forçando um sorriso.
Uma hora depois, Mick, Peter e Luigi subiam as escadas do prédio que ficava no centro da cidade. Era um prédio antigo, mas tinha seu charme.
Mick abriu a porta para eles entrarem, e a mente de Peter começou a trabalhar.
Não era muito grande. A porta de entrada dava direto para a sala. No canto da sala havia outra porta, que dava para os quartos. No corredor do quartos havia uma entrada para a cozinha e para a lavanderia. E havia ainda, na sala, uma varanda bem simpática, com uma altura bem generosa. Pena que o centro da cidade não é famoso por ser colorido. Olhando pela janela, se via apenas o cinza e outras cores em tons escuros.
--- É simpático --- disse Luigi, encostado na parede.
--- Uma graça --- disse Peter --- Quando você quer que eu comece?
Mick nem precisou pensar --- já tinha tudo em mente.
--- Eu me mudo amanhã, então pode começar depois de amanhã. Eu peguei essas fotos para você ter uma idéia.
Mick pegou de dentro de uma caixa algumas folhas de revistas e entregou á Peter.
Peter abaixou as sobrancelhas.
--- Mick, isso é meio dificil de fazer.
Peter levantou as folhas, e Mick percebeu que havia entregado uma porção de fotos de homens nús.
--- Hehehe, que coisa --- ele sorriu meio constrangido --- São as folhas erradas --- ele enfiou a mão na caixa e pegou outras folhas. Desta vez ele conferiu.
--- Sim... Bom... --- Peter estava vendo as fotos --- Dá pra fazer. Em... Cinco ou seis dias eu termino.
Mick sorriu positivamente e agradeceu.
--- Então, é bye bye pro Four Seasons?
Peter estava dirigindo, e não olhou para Luigi quando respondeu.
--- Lógico que não. São só cinco dias de diferença.
--- Humpf --- Luigi puxou os lábios para o canto do rosto e cruzou os braços.
Peter suspirou fundo.
--- Vai ficar com essa cara mesmo?
--- Não estou a fim de falar, tudo bem?
Peter revirou os olhos.
--- Ótimo.
E assim eles seguiram durante o caminho de volta para casa.
O porteiro sorriu prestativamente quando avistou o carro prata de Luigi se aproximando da janela da portaria.
--- Senhor Peter, boa tarde.
Peter parou o carro e cumprimentou-o.
--- Boa tarde --- disse ele sem animo algum.
--- O senhor tem visitas. Um cara alto, branco igual algodão, careca.
Peter e Luigi se entreolharam.
Seth, pensaram.
--- Ele está acompanhado?
--- Não não --- disse o homem --- está sozinho.
Peter balançou a cabeça positivamente e sorriu.
--- Seth sózinho? Por que Will não está com ele?
Luigi deu os ombros.
--- Não sei --- disse ele, seco.
--- Tá com raiva ainda de não podermos viajar durante a proxima semana?
--- Eu só não entendo com que rapidez você muda todos os seus planos por causa de Mick.
Eles chegaram em frente a casa.
--- Então estamos discutindo por causa de Mick? --- Peter perguntou, ironico.
--- Não estamos brigando.
--- Transando também é o que não estamos fazendo, Luigi.
Luigi virou a cabeça para Peter, mas não disse nada. Soltou seu cinto de segurança e pulou para fora.
Peter ainda estava com as mãos no volante, tentando entender o comportamento estranho de Luigi.
Luigi já tinha 25 anos, não é mais uma criança para se comportar desse geito.
E porque essa implicancia com Mick? Ainda? Mick ia sair da casa, Luigi devia estar feliz com isso.
Peter saiu do carro, e quando subiu os degraus até a porta, começou a falar alto.
--- Olha, eu não sei o que deu em você hoje, mas eu acho melhor...
Peter parou atrás de Luigi.
A mesa de centro estava fora de lugar, assim como o abajur, que estava destruido no chão. Misturado com os vidros do abajur, outros cacos cortantes estavam ao chão --- uns do abajur, outros do tampo da mesa de centro, e outros de... Um porta retrato?
Mas não foi isso que chamou a atenção dos dois.
Seth estava em posição fetal, segurando uma foto de Peter e Luigi, cheio de sangue no rosto. Seus cabelos estavam grudados em sua testa com uma tinta vermelha. Ao seu redor, uma poça de sangue fazia um circulo imperfeito.
Peter correu até Seth, e nem percebeu que seu par de All Star branco haviam ganhado uma nova cor.
--- Ligue pra emergencia! --- disse Peter, desesperado.
Luigi foi até o telefone e discou o numero. Poucos minutos depois, uma voz feminina atendia.
Luigi berrava ao telefone.
--- Uma ambulancia, pelo amor de Deus!
Só existe um local mais deprimente do que a sala de espera de um hospital: A sala de velório. Apesar de numa sala de espera tudo ser em tons de azul e branco, com fotos de enfermeiras com o dedo indicador sobre os lábios pedindo silencio, o ar do local inspirava infelicidade. Era uma sensação estranha que habiatava aqueles lugares.
Peter estava com os cotovelos apoiados nos joelhos, sentado numa cadeira. Luigi, ao seu lado, olhava para o outro lado, com o tronco encostado na parede, e com as pernas esticadas.
A cena de Seth deitado em posição fetal, coberto de sangue, assombrava as mentes de Peter e de Luigi. Parecia que eles haviam participado de um filme de serial killers barato.
--- Ligou para o Will? --- disse Luigi, cortando o silencio.
Um médico passou arrastando uma maca vazia.
--- Sim. Já deve estar vindo. Ele estava no Archier com Arthur.
Luigi concordou e voltou á ficar em silencio.
Minutos depois, Will entrava na sala de espera com passos rápidos, quase marchando, com Arthur no seu encalço.
Seus olhos mostravam o mais profundo desespero humano.
--- Onde ele está?! Eu quero ve-lo! --- Gritava ele, metros de distancia de Peter e Luigi.
Peter se levantou e foi de encontro com Will, que estava desesperado.
--- Will, me escute...
--- Aonde ele esta? Peter, cade ele?
Peter segurou Will pelos pulsos, tentando acalma-lo.
--- Me solte, Peter! Onde está Seth?!
Arthur estava atrás dele, com as mãos em seus ombros.
--- Fale baixo, Will --- disse ele.
Will nem escutou. Seus olhos estavam colados em Peter e Luigi.
--- Ele estava na sua casa? Fazendo o que?
--- Não sabemos --- disse Luigi, ficando ao lado de Peter --- Quando chegamos ele estava...
Peter fuzilou Luigi com os olhos.
--- Ele vai ficar bem, Will, meu pai está cuidando dele, garanto que ele terá o melhor atendimento possivel.
Aquelas palavras pareceram deixar Will mais calmo. Mas logo seus olhos fixaram-se atrás dos ombros de Peter, onde um médico alto de cabelos grisalhos olhava para eles.
Mark andava calmamente, segurando uma prancheta nas mãos.
--- Ai meu Deus --- disse Will, temendo o pior.
Mark se aproximou deles, e disse calmamente.
--- Meninos --- ele comprimentou.
--- Pai --- disse Peter.
--- Senhor Mark, ele vai ficar bem? --- Will quase não segurava as palavras em sua boca.
Mark deu uma olhada na prancheta que carregava.
--- Sinceramente, não sei dizer. Seth sofreu de Sindrome Anemica, que é caracterizada pelo aceleramento dos batimentos cardíacos. E sofreu também de Sindrome Hemorragica, onde o sangue geralmente escorre pelo nariz. Juntando os dois... Seth perdeu muito sangue.
A imagem do circulo de sangue passou pela mente de Luigi como um lampejo.
--- Mas, mas, ele... Ele vai melhorar, não vai?
Peter viu o peso que seu pai carregava, e afagou-lhe o ombro.
--- Will, Seth está muito debilitado --- disse Mark --- Está muito fraco e perdeu muito sangue.
Will passou a mão pelos cabelos, e sentou numa cadeira proxima.
--- Não pode ser --- disse ele, baixinho.
--- Pai --- disse Peter --- Qual o estado dele agora?
Mark olhou para Will, cauteloso.
--- Ele está dormindo, e recebendo sangue. Coloquei uma enfermeira para ficar com ele durante toda a noite.
--- Mas está estável?
--- No momento, sim. Mas se ele não ficar bom logo, os outro dois estágios terão mais chances de se manifestarem.
Will colocou as mãos nas orelhas, querendo não ouvir aquilo.
Mark olhou signicativamente para Peter, que entendeu o recado.
Peter se lembrava que a Leucemia era caracterizada por quatro estágios --- e Seth já passara por dois.
Há mais dois, pensou ele, sem esperanças.
--- William, farei o que for possivel para ajudar seu companheiro. Mas agora eu peço que você vá pra casa descançar.
Will olhou para o médico, e aquiesceu.
Mark deu um beijo em Peter, se despediu dos outros meninos e voltou para sua sala.
Depois de insistirem por uns 20 minutos para que Will fosse para casa de Peter e Luigi, ele aceitou. A idéia de ficar sózinho novamente parecia assustadora.
Enquanto caminhavam pelo gramado que rodeava a entrada, eles viram Mick se aproximar rapidamente.
Assim que Will o viu, correu para seus braços, procurando orientação.
Mick começou a dizer alguma coisa á Will, bem baixo, em seu ouvido.
--- Estão com fome? --- disse Arthur.
Todos fizeram que "sim" com a cabeça.
Arthur enfiou a mão no bolso e achou o que procurava.
--- Vamos pro Archier --- disse ele, sentindo o peso das chaves em seu bolso.
Mick e Arthur foram no carro de Will. Arthur teve que dirigir, pois parecia que Will estava longe deste mundo.
Peter e Luigi foram sózinhos no carro prata.
Depois de uns minutos em silencio, Peter disse, sem olhar para Luigi.
--- Ainda não estamos falando sobre o assunto que não estamos falando?
Luigi, ao volante, deu uma risadinha.
--- Me deculpe --- disse ele.
Peter se virou para ele, e encarou-o.
--- Me desculpe por ser tão insuportável hoje. É que a idéia de viajar com você me deixou animado, e depois você cortou o plano... Mas...
--- Mas? --- Peter encorajou-o.
--- Mas hoje, quando eu olhei nos olhos de Will, e vi o desespero por poder estar perdendo a pessoa que se ama, eu vi como eu estava sendo idiota. Digo, Mick é seu amigo, e apenas pediu para você deixar o apartamento bonito. Desculpe por ter agido como se eu tivesse seis anos.
Peter sorriu e colocou sua mão na perna de Luigi.
--- Tudo bem. Eu prometo que posso terminar o apartamento de Mick em quatro dias. E aí seremos só nós dois no Four Season de Nova York.
Luigi sorriu e não disse mais nada.
--- Amor --- disse Peter --- Você notou que o apartamento do Mick...
--- Fica na mesma rua do nosso antigo apartamento? Foi a primeira coisa que eu notei.
Peter sorriu, nostálgico.
--- Saudades daquela época.
--- Sente falta das goteiras, do microondas que a porta não fechava, ou de ter comigo macarrão instantaneo por quase três semanas?
Peter riu alto com as lembranças.
--- Foi uma boa época --- disse ele.
--- Mas essa época tem seu charme --- disse Luigi --- Casa de dois andares, piscina, lareira.
Peter sorriu e pisou fundo no acelerador.
Depois que todos os meninos saíram do Archier, Arthur fechou o café e foi andando para casa, como sempre fazia. A noite estava agradável --- um ar frio bem leve, mas refrescante.
Arthur caminhava lentamente, com as mãos nos bolsos da calça. Tentava não pensar na cena que havia testemunhado á alguns dias atrás.
Colin, morando em um lugar estranho, fazendo sexo com dois homens. Seriam clientes? Arthur achava que Colin não fazia serviços na propria casa...
Perdido em pensamentos, andando por ruas conhecias e bem movimentadas (ele estava no point gay da cidade, onde garotos com cara de bebê disputam lugar na noite com homens musculosos e travestis de salto alto), ele andava de cabeça baixa. Teve tempos que aquela vida noturna o atraia bastante, mas não agora. Arthur já contava 36 anos, e pensava que a época de curtir a noite já havia passado.
Ele parou na calçada, o sinal estava verde para os carros.
Enquanto esperava para que o sinal fechasse, uma figura destacou-se entre os demais. Estava enconstado na parede do outro lado da rua, braços cruzados diante o peito, procurando alguem. Enquanto procurava pela pessoa, ele avistou, do outro lado da rua, Arthur, parado, encarando-o.
Colin sentiu-se constrangido. Da ultima vez que vira Arthur, Colin estava com as mãos ocupadas.
O coração de Arthur baria rapidamente. Mil pensamentos passavam feito raios em sua mente.
Um carro estacionou á uns dois metros da onde Colin estava. Um veiculo preto, com as janelas escuras e farois apagados.
Arthur percebeu que a pessoa que Colin procurava havia acabado de chegar.
Como se tivesse vida própria, a porta do acompanhante abriu-se, como se chamasse Colin.
Ele não tinha muitas escolhas, e Arthur sabia disso.
Mas por que escolher a opção errada?
Colin sorriu tristemente, e com os olhos querendo derramar sua lágrimas, caminhou até a porta e entrou dentro do carro.
As luzes do automóvel se acenderam, e o motorista deu a partida. De relance, Arthur pode ver o perfil do "cliente".
Cabelos grisalhos. Olhos severos. Barriga saliente. O típico pai de familia que curtia os prazeres da noite com jovens desconhecidos.
Enquanto o carro se afastava com os faróis acesos, Arthur ficou alí, parado, vendo um completo desconhecido levar para longe a pessoa mais importante da sua vida.
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