Ponta do Abismo.
Quando Mick abriu os olhos (ou apenas um olho) sua cabeça já não doía tanto. Sentiu uma leve dormência no olho esquerdo, mas tocou nele. Tinha medo que a dor aumentasse.
Sentou na cama e lembrou-se do que havia acontecido.
Se deu conta que não tinha para onde ir. Sabia que não estava sozinho, mas sua aconchegante casa não poderia ser mais considerada um lar para ele.
Levantou-se e saiu do quarto. Sabia que no segundo andar daquela casa havia um banheiro para os hóspedes.
O tal banheiro ficava perto do quarto onde Peter e Luigi dormiam. Era só chegar até o quarto e virar no corredor que entrava á direita.
Chegou ao banheiro e se olhou no espelho.
Seu olho estava imenso e roxo. Seus lábios ainda estavam inchados. Quando tempo ficariam assim? Duas semanas? Três? Como iria trabalhar daquele jeito? Como iria para uma agencia de modelos naquele estado?
Saiu do banheiro e desceu as escadas. Encontrou Peter falando ao telefone, e Luigi sentado no sofá com um álbum de fotografia no colo.
Luigi cumprimentou Mick quando o viu.
--- Bom dia, flor do dia.
--- Oi. Então, cadê o meteoro que caiu em cima de mim?
--- Deve estar condenando alguém dentro de um tribunal.
Mick fechou os olhos e se afundou no sofá, agarrando-se á uma almofada.
De repente, Peter apareceu com uma xícara verde cheia de café quente.
Mick tentou sorrir.
--- Obrigado, gato.
--- E aí, como se sente --- disse Peter, sentando-se no sofá.
Mick bebeu um gole do café antes de responder.
--- Estranho. Sei lá.
--- Devia ligar para sua mãe --- sugeriu Luigi.
--- E dizer o que? Que meu rosto está quebrado e que eu não tenho para onde ir?
--- Você vai ficar aqui, com a gente --- disse Peter, abraçando os ombros de Mick, como forma de encorajá-lo.
Luigi lançou um olhar de advertência para Peter, que percebeu na hora.
--- Tudo bem, mais tarde eu ligo. Eu tenho que ligar para a FordModel.
--- Não precisa --- respondeu Peter, livrando-se do olhar de Luigi --- Eu já liguei. Disse que você não estava em condições de trabalhar. Eles de deram uma semana de folga.
Mick sorriu e apoiou a cabeça no ombro de Peter.
--- Valeu, mesmo. Espero não atrapalhar.
Levantou-se e deu um beijo em Peter. Depois seguiu para as escadas e sumiu de vista.
Peter olhou para Luigi, que retribuiu o olhar. Ficaram nisso durante alguns minutos.
--- Tenho que trabalhar --- disse Peter subitamente, se levantando do sofá.
--- Calma rapazinho. Que historia é essa de Mick ficar aqui?!
Peter estava indo á cozinha pegar as chaves do seu carro.
--- E o que mais você queria que eu falasse? Lui, ele não tem para onde ir.
--- Como não? Ele ganha muito bem escolhendo roupas para as outras pessoas vestirem. Deve ter algum dinheiro guardado.
Peter estava começando a perder a paciência.
--- Luigi --- disse ele, fazendo Luigi sentar na cadeira da cozinha --- É só por um tempo. Lembra-se de quando eu e você começamos a morar juntos? Lembra do nosso primeiro apartamento?
--- Sim, claro que me lembro. Ficava no centro, o aluguel era de 60 reais por mês e era tão pequeno que não tinha nem espaço para a minha câmera.
--- Então, é a mesma coisa.
--- Como é a mesma coisa, Peter? Naquela época eu não estava de olho roxo e você tinha começado como estagiário na ArtDeco.
--- Digo que é um começo para Mick. Ele saiu da casa dos pais, agora vai aprender a viver sozinho.
--- Vai viver na nossa casa.
--- Só por um tempo.
Peter passou a mão pelos cabelos recém-penteados.
--- Amor, eu vou viajar daqui á alguns dias. Mick pode ser uma companhia para você.
Luigi estava incrédulo.
--- Companhia para que? Vai colocá-lo de vigia?
--- Vigia? Para que?
--- Não sei, você que está dizendo.
Peter não sabia o que estava dizendo, se é que estava dizendo alguma coisa.
Luigi suspirou fundo e disse:
--- Alguns dias para você ir para um navio com um cara que está apaixonado por você.
Peter revirou os olhos e deu as costas.
--- Não vamos começar com isso de novo, por favor.
--- Estou dizendo alguma mentira? Cheio de lugares para...
Luigi não terminou a frase, deixando as idéias no ar.
Peter se irritou.
--- Para... O que? Para eu ficar com ele? Quer saber, talvez eu procure algum estúdio de fotografia por lá, talvez seja mais excitante.
--- Não acredito que você esteja falando sobre isso.
Peter não agüentava mais aquela conversa. Ele e Luigi já estavam na sala, perto da porta.
--- Olha --- disse Peter, abrindo a porta com uma mão e segurando a chave na outra --- Quando eu voltar, conversamos sobre quem vai trair quem primeiro okay? Tenho que ir.
Bateu a porta com força.
Luigi ficou ali, parado.
Porque tenho que ser tão ciumento?! Perguntou-se. Acabo de dizer coisas idiotas ao homem mais importante da minha vida!
Nesse momento o telefone tocou, tirando Luigi de seus devaneios momentâneos.
Atendeu ao telefone sem olhar o identificador de chamadas.
--- Alo?
--- Oi, Peter Calledon.
--- Quem é?
--- Oras, sou eu, Chris.
--- Peter não está --- disse Luigi, carrancudo.
--- Hã... É o Luigi?
--- O que você quer?
--- Bom dia para você também, Luigi. Gostaria de falar com o Peter.
--- Ele acabou de sair.
--- Está tudo bem?
Luigi já tinha perdido a paciência fazia tempos.
--- Não é da sua conta, ta legal?!
--- Nossa, alguém está com a cueca apertada. Certo, até mais, Luigi.
--- Hei, espera, queria te dizer uma coisa.
Christopher não disse nada, apenas esperava o que Luigi ia dizer.
--- Eu agradeço por você ter me ajudado naquele dia, certo? Mas fique longe do Peter.
Luigi conseguiu ouvir o suspiro de Christopher.
--- Escute bem, Luigi --- Christopher já começava a falar mais alto --- Naquele dia, eu não estava ajudando você. Estava ajudando o Peter, ele estava sofrendo.
--- Que gentil. Então está interessando nele?
Silencio. Christopher tomou uma decisão.
--- Sim, estou. Desde o primeiro momento que eu o vi. E eu até achava que vocês dois combinavam, mas pelo jeito me enganei.
--- Escute, seu idiota, fique longe do Peter, entendeu? Não vai querer comprar briga comigo.
--- Nossa, que machão. Vai apelar para a agressão, então? E se Peter, por decisão própria, o deixasse para ficar comigo? Bateria em quem? Em mim ou nele?
Luigi não sabia o que responder. Não tinha pensado antes de falar.
Luigi não era violento, queria apenas assustar Christopher, mas pelo jeito não conseguiu.
--- Não se intrometa entre nós, entendeu? Não chegue perto do Peter, não ouse tocar nele.
Desligou antes que Christopher pudesse responder.
Quando encaixou o telefone na base. Luigi deu de cara com Mick parado na escada.
--- Hã... Está tudo bem? --- perguntou para Luigi.
Luigi não respondeu. Apenas foi em direção ás escadas e as subiu, indo para o quarto.
--- Mas porque?! Tem que ter um motivo!
Bob não acreditava no que estava ouvindo. O que poderia ter feito de errado?
--- Já sei, tem outra pessoa, é isso? Você está afim de outro cara?
Arthur suspirou e se virou para Bob.
--- Não. Não tem cara algum. Eu só não quero mais ficar com você. Simples.
--- Ficar? Não estávamos ficando! Estávamos namorando, Arthur!
Caramba, que cara mais chato! Pensou Arthur.
Arthur nunca foi um cara pegador, mas das poucas vezes que foi ele que terminou o namoro, nunca tinha encontrado dificuldades para faze-lo.
Arthur se aproximou de Bob e pegou sua mão.
--- Bob, você é um cara super legal, mas não vai dar pra continuar-mos juntos. O problema não é com você, é comigo.
Porque sempre que alguém termina um namoro, essa frase vem á conversa? É uma maneira para que a outra pessoa sofra menos? Algo do tipo “Você é bom demais para mim” ou “Você merece pessoa mais legal do que eu”. Sem falar que tal frase já estava mais do que gasta.
Bob não tinha mais palavras. Estava tendo uma relação legal com Arthur, e achou que dessa vez iria conseguir mante-la.
Arthur pegou no rosto de Bob com as duas mãos e o beijou na testa.
Bob não disse nada. Apenas fechou os olhos durantes os poucos segundos que os lábios de Arthur tocavam a sua pele. Quando tal toque acabou, se virou e saiu da casa de Arthur.
Por mais difícil que fosse de acreditar, Arthur não se sentiu sozinho. Estava cansado de Bob. Cansado dos beijos na testa, cansado dos telefonemas á cada cinco minutos, cansado da choradeira sempre que viam o filme Outono em Nova York, cansado daquela relação.
Olhou para o relógio e decidiu se arrumar para ir trabalhar.
Naquele mesmo momento, um novo e-mail chegava à sua caixa de mensagens. Este mesmo e-mail tinha um arquivo de vídeo anexado.
A secretária de Peter, Katharine, estranhou quando ele entrou pratimente correndo no escritório, sem pegar copo de café habitual. Estava com a cara fechada, de poucos amigos. Estranho, porque Peter não era assim, sempre sendo gentil e educado.
Quando Peter sentou em sua cadeira, sentiu um pouco de alívio. Não gostava de estar cercado de gente quando ficava de mau humor. Principalmente por causa do ciúme idiota de Luigi.
Mas a sensação de alívio durou só alguns minutos. Pequenos toques na porta o fizeram despertar para a realidade.
--- Quem é? --- perguntou.
--- Sou eu, Chris.
Peter revirou os olhos. Queria ficar sozinho com seus pensamentos.
--- Entra --- respondeu, sem disfarçar o mau humor.
Christopher entrou na sala, avaliando Peter. Soube logo de cara o motivo dos avisos de Luigi.
--- Mas que rosto bonito o senhor tem.
Peter o olhou, depois desviou os olhos para uma pasta de plástico que estava em sua mesa. A pasta continha uma série de fotos do navio que ele ia trabalhar durante três semanas.
--- Isso chegou hoje de manhã. São os locais do navio destinados á você e mais cinco decoradores.
--- Eu percebi.
Peter calou Christopher sem desviar os olhos das fotos.
--- Parece que são dois com a cueca apertada essa manhã.
Finalmente Christopher conseguiu fazer Peter desviar a atenção das fotos o navio.
--- Como é?
--- É que liguei para sua casa hoje, e Luigi me atendeu com um pouco de... Hostilidade.
Peter soltou a foto que estava em sua mão, pousando-a na pasta com as outras fotografias.
--- Por quê? O que ele te disse?
--- Bom... Vamos dizer que foi uma conversa bem... Ameaçadora, talvez.
--- Christopher, vá direto ao ponto. O que ele te disse?
Peter falou com a autoridade de um presidente de uma empresa, e percebeu que Christopher nunca usara aquele tom em nenhuma vez desde que começou a dirigir a ArtDeco.
--- Ele disse para eu ficar longe de você, se não ele partiria para cima de mim.
Peter tentava encontrar as palavras.
--- Eu não acredito --- conseguiu dizer --- Luigi está fora de controle.
--- Cuidado, uma hora ele te tranca dentro de casa.
Peter fuzilou Christopher com o olhar.
--- Desculpe. Piada sem graça.
--- Ah, mais uma coisa --- falou Christopher, parecendo mais uma secretária do que um diretor --- Um tal de Mick me ligou.
Por essa Peter não esperava.
--- Mick?
--- É, Mick.
--- Que Mick?
--- Mick que dizia ser seu amigo.
--- Sim, o Mick. O que ele disse? Por quê ele te ligou?
--- Estava me convidando para uma festa, ou comemoração, não sei bem ao certo. Um lugar chamado... Lines, Ou Bynes, não entendi direito.
--- Times.
--- Isso --- Christopher vibrou --- Isso mesmo, Times. O que é?
--- É uma boate gls, ele alugou a área vip para uma pequena comemoração na véspera da viagem.
Por que Mick convidaria Christopher para essa comemoração? Aonde tinha conseguido o numero de Christopher?
--- Ele pediu o meu nome completo.
--- Para você poder entrar na área vip.
--- E é legal esse lugar? Os caras que vão lá, como são?
--- Têm de todos os tipos, jeitos, tamanhos e cores.
Peter sorriu pela primeira vez desde que saiu de casa.
--- Okay, talvez eu vá.
Epa. Christopher e Luigi no mesmo ambiente? Será que daria certo?
Peter sorriu meio falso.
--- Faça isso. Lá é legal.
A conversa foi interrompida pela voz de Katharine, que invadia a sala através do telefone no viva-voz.
--- Senhor Peter, um dos investidores está na linha dois querendo falar com o senhor.
Christopher indicou aporta com a cabeça, saindo logo em seguida.
--- Tudo bem, transfira para mim, sim?
O rosto de Mick, antes inchado e meio arroxeado, já se encontrava mais apresentável. Ele estava com Will na livraria-café de Arthur.
O Archier estava bem movimentado, fazendo com que Arthur tivesse que se desdobrar para atender todos os pedidos.
Will e Mick conversavam no balcão, bebendo sucos naturais.
--- Ligou para o seu pai? --- Will quis saber.
Mick revirou os olhos.
--- Pra que? Pra ele me chamar de veado novamente? Não, muito obrigado.
--- Mick, uma hora você vai ter que ir falar com ele. E sua mãe? Você pensou nela?
Mick pensava na mãe todos os dias. Sentia uma falta imensa dela.
--- Claro que pensei. Vou ligar para ela qualquer dia desses. Ela sabe que estou na casa do Peter e do Lui.
--- E como está sendo a sua estadia lá?
--- Normal. Tirando o clima esquisito entre o Peter e o Lui, está tudo bem.
--- Peter comentou comigo. Parece que estão brigando por ciúmes. Que bobagem.
Mick não responder nada, ficou apenas sugando seu suco natural por um canudo.
--- Mas e aí, com essa maquiagem roxa, como está sua vida sexual/amorosa?
Mick riu como se tivesse orgulho do que ia dizer.
--- Querido, não tenho vida amorosa. Vida sexual, sim. Amorosa não.
--- Esqueci disso --- Will terminava de beber o suco --- Mas como a sexual está?
--- Nem tenho saído de casa ultimamente. Estou parecendo uma drag-queen que não dormiu direito durante á noite.
--- Hahaha, é verdade. Mas até que você está bonitinho.
Mick olhou para ele e sorriu.
--- Você também.
Ficaram se encarando durante um tempo. Era estranha tal interação entre os dois, mas quando acontecia era algo bem sutil.
Mick ficou sem graça e virou o rosto, constrangido.
--- Mas e você? O que tem feito da vida?
--- A sexual ou a amorosa?
--- As duas.
Will não precisou pensar muito. Tinha feito a mesma coisa durante os últimos dias.
--- Tenho ido á umas festas por aí... Um pessoal interessante.
Mick se interessou.
--- Festa? Aonde? Na Times?
--- Não não, festas particulares.
--- Mas olha só a beesha --- Mick levantou seu copo cheio de suco, e Will fez o mesmo com o copo vazio --- Está badalada heim. Pessoas interessantes é? Que tipo de festas? Orgias??
--- Tipo isso --- Will estava á vontade para falar sobre isso com Mick. Não conseguiu falar muito com Peter, pois sabia o quanto a moralidade estava enraizada no seu cérebro --- Tem até uns nomezinhos legais.
--- Como? Ás vezes posso já até ter ido a alguma delas.
Mick ergueu seu copo de suco para mais um longo gole.
--- Não sei direto. Algo como Babeck, Rareback, alguma coisa assim.
Os olhos de Mick praticamente saltaram das órbitas, seguido de um esguicho de suco natural sair da sua boca. Quando Mick gritou, todos os clientes e até mesmo Arthur viraram suas cabeças em direção á ele.
--- O QUEEEEE?
Mick ofegava por causa da saída brusca do suco. Os olhos continuavam arregalados, e ele não se importava com todas as pessoas olhando para ele.
--- Mick, fale baixo, estão todos olhando.
Mick fechou os olhos e respirou fundo. Contou até 10. Pensou em contar até 100, mas quando chegou ao numero 23 já estava respirando normalmente.
Olhou incrédulo para Will, que não estava entendendo o comportamento do amigo.
--- Que porra de festa que você foi?!
--- Não sei, alguma coisa com “back”
Mais um pouco e os olhos de Mick caíam no chão.
--- Bareback?
--- Isso, exatamente. Festinha legal.
A cabeça de Mick estava rodando. Começou a ofegar mais uma vez. Voltou a fechar os olhos e contar até 1000.
--- Mick, que foi?
--- Seu idiota! Você sabe que tipo de festa é essa?
--- Sim, festa de orgia. Qual o problema?
--- Will, com quantos caras você transou nessas festas que você foi?
--- Hã... na ultima festa foram com nove.
--- E quantos usaram camisinha?
Will não respondeu. Não respondeu porque nenhum dos caras quis usar camisinha. Achou estranho no começo, mas a sensação do esperma dentro dele era bem agradável.
--- Will, essas festas não se usa camisinha por um único motivo: O legal é você fazer muito sexo com caras diferentes e não se contaminar. É um tipo de adrenalina para eles.
--- Mas e daí, Mick? Sei que não é o correto, mas de vez em quando, na hora da pressa, rola sem preservativo mesmo.
--- Mas seu idiota! Não entende! Á cada dez homens saudáveis que vão nessas festas, cinco são contaminados com alguma doença sexualmente transmissível. E ele não pegam essas doenças na festa.
A mente de Will começou a trabalhar para acompanhar o raciocínio.
--- Quer dizer que...
--- Que esses homens transam com caras contaminados. Se eles não ficam contaminados, é como se fosse um tipo de premio.
Will estava sério, sem saber o que pensar.
--- Bareback? Tem certeza?
--- Absoluta --- respondeu Mick --- Will, você tem que ir á um médico para saber se...
--- Cale a boca. Não termine a frase.
Mick parou diante a ordem de Will.
Os olhos de Will estavam paralisados. Não piscavam. Não se moviam. Sua mente processava números como se fosse um microcomputador.
Á cada dez, cinco contaminados?
Will tinha ido nesse tipo de festa três vezes. Começou a contar.
Oito ou nove caras por festa. Isso dava mais ou menos em torno... Em torno de quatorze ou quinze caras.
Quatorze ou quinze caras? Quatorze ou quinze chances de ter adquirido uma doença?
Agora era a cabeça de Will que começava a rodar.
Mick inesperadamente pegou na sua mão e entrelaçou os dedos. Não disse nada, mas olhou com um certo medo para Will.
--- Will, você...
Will apertou a mão dele e o fez se interromper.
--- Não conte á ninguém, Mick. A ninguém!
Mick acenou positivamente com a cabeça. Nessa hora gostaria de ter dado um abraço bem apertado em Will, mas não conseguiu. Mick tinha alguns problemas de demonstração de afeto em publico.
Will soltou a mão de Mick e se levantou, indo em direção á porta. Antes de chegar até ela, se virou e sussurrou á Mick.
--- Á ninguém, Mick.
Quando saiu, o sino dourado acima da porta soou.
Peter estava sentado no sofá da sua sala, com um copo de vinho quase cheio nas mãos. Não o bebia, ficava apenas rodando a taça nas mãos.
Esperava que Luigi voltasse, pois precisava conversar com ele. Que historia era essa de ele “ameaçar” Christopher? Essa historia idiota de Peter/Luigi/Christopher já tinha ido longe demais. Peter não podia permitir que um relacionamento de quase cinco anos fosse abalado por causa de algo que nunca aconteceu. Quer dizer, houve um beijo entre Peter e Christopher. Mas aquele beijo não significou muita coisa.
Ouviu passos na escada de três andares que havia na frente da porta de entrada. Quase no mesmo segundo, Luigi entrou na casa, com a câmera pendurada no pescoço.
Luigi se surpreendeu com Peter sentado no sofá com uma taça de vinho nas mãos. Peter não era de beber sozinho, e quase nunca o fazia.
Não entendeu o porque daquele olhar.
--- Oi amor.
--- Oi. Tudo certo?
Luigi não esperava tal pergunta. Esse não era o modo que eles conversavam.
--- O que houve? --- Luigi ainda estava perto da porta.
--- Que historia é essa de ameaçar o Christopher?
Luigi olhou para baixo, fugindo do olhar de Peter.
Claro que ele iria correndo contar para ele.
Luigi era grato por Christopher ter ajudado-o á encontrar Peter naquela noite que ele sumiu de casa, mas já não estava com mais paciência para esse advogado fracassado.
--- Só disse á ele para ficar longe de você.
--- Bom. Sabe, talvez você não saiba, mas ele é o meu chefe! Luigi, o que está acontecendo com você?
A voz de Peter aumentou um tom.
--- Sim, eu sei que ele é seu chefe. Um chefe que está interessado em você.
Peter revirou os olhos e pousou a taça de vinho
--- Eu não acredito que você ainda está falando disso! Pensei que já fosse uma pagina virada.
Luigi se aproximou de Peter.
--- Página virada? Você vai para um navio com ele. Como pode ser uma pagina virada? Parece ser mais um capitulo de um livro.
Peter olhou fundo nos olhos de Luigi, e viu que ela seria uma discussão perdida.
--- Eu não quero brigar --- Peter falou, esquivando-se de Luigi e indo em direção á cozinha.
Luigi não gostou disso.
--- Não dê as costas para mim! Eu estou cansado disso, Peter!
Peter parou no meio do caminho. Luigi não usava aquele tom de voz com ninguém.
--- Luigi, esquece. Vamos dormir.
--- Não, não vamos dormir! Caramba, eu to cansado de ter que correr atrás de você!
--- Como é? --- Peter perguntou.
Luigi respirou fundo.
--- Se faz semanas que estamos nos estranhando, é por sua causa! Por causa do seu chefe, por causa do seu trabalho! E sou sempre eu que tenho que ir atrás de você.
--- Ir atrás de mim?
--- Exatamente! Nós brigamos, e quem foi o primeiro a fazer ás pazes?
Peter desviou o olhar, seus dutos lacrimais estavam começando a trabalhar demais.
Luigi sentou no braço de sofá, ainda com a câmera
--- Eu me sinto como se tivesse no deserto. Por mais que eu ande, eu não chego á lugar algum!
Peter estava se segurando para não chorar, e estava conseguindo. Respirou fundo e se aproximou de Luigi, que ainda estava sentado no braço do sofá.
Estava sério quando falou.
--- Se você acha que está perdendo tempo comigo, então temos um problema.
Luigi sentiu vontade de abraçar a cintura de Peter, algo que sempre fazia.
Mas não conseguiu. No meio do caminho, seus braços voltaram á apontar para o chão.
Luigi estava quase chorando. Tinha a sensação de estar sendo afastado de algo importante da sua vida.
Olhou para Peter, que não disse mais nada.
--- Eu só quero... Só quero saber que você ainda está aqui. Só tenho que ter a certeza que você sempre estará aqui.
Uma lágrima correu pelo rosto de Peter, mas foi logo secada. Peter não queria chorar naquela hora.
--- Eu quero estar aqui. Mas... É o que você quer?
Os pulmões de Luigi doíam. Respirava fundo, mas não conseguia ar suficiente.
Peter insistiu.
--- Luigi, é o que você quer? É só isso que eu preciso saber.
Peter se agachou para poder olhar nos olhos de Peter. Quando o fez, não havia nada. Estavam sem o brilho habitual. Parecia que não havia mais vida.
Peter considerou o silencio como uma resposta negativa.
--- Okay. Vou dormir.
Peter foi em direção á escada e subiu os degraus. Quando chegou lá em cima, teve que lutar contra as lagrimas que embaçavam sua visão.
Luigi ficou ali, ouvindo a razão de sua vida subir as escadas. Não teve coragem de segui-lo e dizer o que sentia.
Quase cinco anos. Fazia quase esse tempo que estava com Peter, e nunca tivera duvidas sobre seu amor. Luigi considerava esse amor o mais verdadeiro dos amores.
Relação de homens com homens é sempre mais delicado do que uma relação heterosexual. Não se sabe por que, mas achar uma pessoa especial do mesmo sexo é complicado. Infelizmente, a maioria dos homossexuais estava apenas á procura de uma coisa: Sexo.
Luigi pensou em Mick.
Mick era bonito, tinha uma situação financeira estável, uma possível carreira na moda. Mas seu coração era trancado para todos aqueles que tivessem a ousadia de considerar entrar nele. Não sabia se era medo ou prazer, mas Mick não permitia que ninguém chegasse ao intimo de sua alma.
Mas eu não sou Mick, pensou.
Luigi era Luigi. Só isso. Tinha um coração que já pertencia a alguém. Seu coração já estava trancado, só que com alguém dentro dele. A pessoa que ali vivia estava bem protegida em seu coração.
Luigi sabia que era um homem de sorte. Tinha uma carreira, amigos, dinheiro e amor. Tinha o amor da sua vida para ele, apenas para ele.
Mas naquele momento, esse amor estava no segundo andar daquela casa enorme. Talvez chorando. Talvez dormindo. Talvez arrumando as malas para ir embora.
Luigi deitou no sofá e ficou olhando para o teto. Tinha medo de pensar no futuro. Medo de saber que no futuro ele estaria sozinho.
Tinha medo que Peter o deixa-se. O que faria se ele fosse embora? Como conseguiria viver sabendo que o motivo de sua vida não o pertencia mais?
Seria a mesma coisa de cortarem as artérias principais que ligam o coração ao resto dos vasos sanguíneos. Corte tais artérias, e o coração seria o primeiro a morrer.
Não percebeu quando as lágrimas estavam escorrendo pelo rosto. Quando adormeceu, ali mesmo no sofá, parecia que seu coração não estava mais batendo. Um coração sem arterias, sem sangue correndo á partir dele.
Um coração silencioso.
Quando Peter chegou ao corredor dos quarto, a primeira atitude que tomou foi ir até o quarto onde ele dormia com Luigi. Mas nem chegou perto da porta. Teve medo de entrar e tomar consciência de que no presente, ele dormiria sozinho naquele quarto.
Covardemente se dirigiu ao ultimo quarto de hospedes que já estava arrumado.
Estranhamente, depois de fechar a porta atrás de si, Peter se sentiu sozinho em sua própria casa.
Deitou na cama e ficou encarando o teto.
Teve medo do futuro.
Será que seu futuro e o futuro de Luigi eram os mesmos? Será que dali á alguns anos, eles ainda estariam juntos, fazendo amor todas às noites e tomando café da manhã juntos?
Peter não sabia. Essas ultimas semanas foram, para eles, tão turbulentas. Parecia que uma nuvem escura tivesse parado acima da casa, fazendo os dias parecerem sempre nublados.
Quase cinco anos. Será que todos esses tempos ele e Luigi estiveram cegos? Será que acreditavam tanto nesse amor que não conseguiram ver que, talvez, eles não fossem um casal perfeito? Não teriam conseguido ver suas diferenças?
E será que existia mesmo essa coisa de casal perfeito?
Peter sempre ouvia as pessoas dizerem que ele e Luigi formavam um casal perfeito. Mas o que as pessoas que estavam de fora daquela relação poderiam dizer? Como poderiam saber se, quando eles voltavam para casa, cada um ia para seu lado, sem nenhum toque carinhoso ou alguma demonstração de afeto?
A cabeça de Peter começou a doer. Fechou os olhos e tentou não pensar mais. Queria se desligar daquela casa, daquela vida.
E de Luigi? Peter conseguiria se desligar dele? Conseguiria dizer Adeus ao seu amor mais verdadeiro, e ainda assim conseguir continuar vivendo? Conseguiria olhar para trás, e se sentir grato por Luigi ter lhe proporcionado os melhores anos de sua vida?
Conseguiria olhar para trás e sorrir? Sorriria ainda mesmo sabendo que Luigi nunca mais voltaria?
Sentia que seu coração queria descansar. Sentia que ele deseja dormir para sempre.
Não queria pensar mais nisso. Chorou até que finalmente adormeceu.
domingo, 1 de novembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário