Cinco anos.
Quando Luigi desceu as escadas, indo para o primeiro andar da casa, e foi em direção á cozinha, conseguiu ouvir a voz de Mick conversando com uma mulher. Luigi não reconheceu a voz de imediato, mas quando chegou á porta da cozinha, o reconhecimento foi imediato.
Mick estava preparando uma tigela de cereais enquanto conversava com Kirsten, a irmã gêmea de Peter.
Mesmo já estando acostumado com a presença de Kirsten, Luigi ainda ficava impressionado com a imensidão da beleza dela. Seus cabelos dourados estavam presos por um rabo-de-cavalo, mas uma pequena franja caia no canto direito do rosto.
Quando Luigi apareceu na cozinha, Mick sorriu cauteloso. Não sabia como o humor de Luigi estaria naquela manhã. Depois de tanta espera e de tantos planos, um dia em especial estava á um passo de chegar. Mas pelo visto, Luigi comemoraria aquele dia sozinho.
--- Kirsten, Mick. --- Luigi sorriu e piscou um olho para eles.
--- Bom dia, Luigi --- disse Kirsten, enchendo uma xícara de café o estendendo para ele.
Luigi pegou a xícara e agradeceu.
--- E... Está tudo legal? --- perguntou Mick, procurando uma colher.
A voz de Luigi vinha carregada de sono, até parecia que ele havia ficado a noite inteira dormindo.
--- Certo --- respondeu Luigi.
Kirsten e Mick se entreolharam.
Kirsten não fazia idéia do que aquele dia significava.
--- Hã... E o que quer fazer hoje? Podemos ir na Times e dançar a noite inteira. --- Mick sugeriu enquanto começava á comer o cereal.
Luigi estava de costas para eles, olhando pela janela o sol que começava á ficar mais alto.
Continuava á encarar o horizonte quando respondeu.
--- Não sei... Acho que quero ficar em casa.
--- Devia ir, querido --- disse Kirsten --- Sabe como é, arejar a cabeça e tal.
--- Devia mesmo --- disse Mick --- Você só ficou enfiado nesta casa desde que Peter viajou... Ele ainda vai demorar um pouco, sabe disso.
Luigi virou o rosto e fuzilou Mick com os olhos.
--- Obrigado por lembrar.
Mick percebeu que perdera uma ótima oportunidade de ficar calado.
Kirsten queria melhorar um pouco o astral.
--- Luigi, você vai ficar legal. Até parece que vocês nunca ficaram mais de uma semana separados.
Luigi respondeu sem se virar para olhá-la.
--- Nunca. No máximo dois dias.
--- E não foi numa data especial --- Mick disse com a intenção de colocar Kirsten á par da situação.
Kirsten franziu a testa.
--- Data especial? Que data?
Luigi largou o copo dentro da pia; praticamente o atirou lá.
Encostou as duas mãos na pia e baixou a cabeça.
Aquela distancia o estava fazendo ficar maluco. A primeira coisa que fazia quando acordava era esticar o braço para o lado, na intenção de abraçar Peter, mas a única coisa que abraçava era o espaço vazio e frio. Não tinha vontade de comer, estava magro e pálido. Não se preocupava muito com o estado de suas roupas, sua sorte era que tinha um consultor de moda em casa, que o ajudava á andar mais apresentável no trabalho.
Mas o que mais enlouquecia Luigi era o silencio naquela casa. Quando Mick estava fora, a casa parecia um santuário reservado para rezas. Nada fazia barulho, nem mesmo os vizinhos, ou as maçanetas das portas.
Não sabia se era coisa da sua cabeça, mas Luigi começava á achar que as paredes da casa estavam começando a ficar cinza. De um verde jade-claro, estava surgindo um verde musgo acinzentado. Mas era apenas coisa da sua mente.
Luigi se virou para responder.
--- Amanhã... Peter e eu fazemos cinco anos juntos.
--- Ou melhor --- disse Mick, consultando o relógio de pulso --- Daqui á mais ou menos doze horas e cinqüenta minutos.
Luigi atirou o pano de secar pratos na cabeça de Mick.
--- Cinco anos? Caramba, meus parabéns --- disse Kirsten.
--- Valeu --- respondeu Luigi, balançando a cabeça.
Luigi ainda conversou com Kirsten por mais uns cinco minutos, dizendo á ela historias engraçadas que haviam acontecido nesses últimos anos.
Mick se irritou com toda aquela nostalgia e interrompeu a conversa.
--- Tudo bem, tudo muito lindo e blá blá blá --- se virou para Luigi e apontou com o dedo indicador --- A senhora esteja aqui ás dez horas --- e apontou para Kirsten também --- E a senhorita também. Os meninos também vão.
--- Arthur e Will? --- perguntou Kirsten.
--- Eles mesmos.
--- E como o Arthur está? Depois daquela historia do vídeo e tals... --- perguntou Luigi.
--- Que historia? Que vídeo? --- Kirsten quis saber.
Mick olhou para ela como se ela fosse a mulher heterossexual mais desinformada do mundo.
Luigi se deu conta do horário, melancolicamente.
--- Longa historia --- disse ele --- Mick vai te explicar tudo. Tenho que sair agora.
Enquanto saia da cozinha, ouviu a voz de Mick murmurar a frase "espero que ele tome um banho e troque de roupa antes de sair". Pensou em voltar e atirar uma cadeira nele, mas Peter ficaria chateado com isso. As cadeiras de madeiras eram importadas diretamente da Itália, portanto eram caríssimas.
Subiu as escadas e foi para seu quarto. Recolheu uma toalha limpa e roupas para o trabalho. Antes de sair do quarto, viu o relógio e parou.
Precisou de segundo para fazer a conta, pois era péssimo em matemática.
Faltavam doze horas e quarenta e dois minutos para os cinco anos se completarem.
Quando Mick viu a nota do seu trabalho, seu queixo praticamente afundou na mesa. Ele passara as ultimas duas semanas trabalhando em cima daquele projeto, e com certeza merecia uma nota bem maior do que aquela. Esse era o trabalho onde ele tinha que recriar três vestidos de estilistas famosos, e ainda fotografa-los e coloca-los em um portfolio. Apesar de Luigi ter tirado as fotos (nada melhor que fotografias de um excelente profissional), foi Mick que organizou as três fotos dentro do album.
Mick resolveu esperar pelo término da aula para ir pedir satisfações ao professor de historia da Moda, um sujeito alto, cabelos ralos e escuros e com barba por fazer.
Fazia semanas que aquele professor estava pesando em cima de Mick. Mick fazia os melhores trabalhos, as melhores pesquisas, sempre era pontual e responsável quando se tratava da faculdade. Mas isso não era o suficiente para que esse professor visse o esforço que Mick fazia.
Quando o sinal soou, Mick segurou sua mochila nos ombros e esperou que todos saíssem da sala. Não queria platéia. Ninguém precisava saber do 2,0 desenhado em vermelho na capa do portfolio do trabalho.
Quando todos saíram, Mick se encaminhou para a mesa do professor, segurando o portfolio com a mão esquerda. Quando chegou á mesa, Mick jogou o portfolio sem cerimônia alguma, fazendo alguns papéis cairem no chão.
O professor não expressou reação alguma.
--- Professor Richard -- disse Mick, sem dar a mínima para os papeis que estavam no chão --- Eu acho que houve um pequeno engano. Ou um grande engano, tavez.
Richard havia acabo de recolher os papeis do chão e começava á organiza-los novamente.
--- E eu acho que não houve engano algum. Os alunos recebem a nota que merecem. --- respondeu ele, seco igual ao deserto do Saara.
--- Dois!? Eu confeccionei os três vestidos, e recebo um Dois!?
--- Sim. Fim de caso.
Mick estava perdendo a paciencia.
--- Professor Richard --- Mick deu a volta na mesa e agora estava de frente para o professor --- Não é fim de caso coisa nenhuma. Esse trabalho vale setenta por centro da prova semestral!
--- Eu sei. Eu sou professor, esqueceu?
--- Mas eu não posso ficar com nota vermelha em nenhum semestre!
Richard suspirou fundo, sem tirar os olhos dos papeis que ele analisava.
--- Michelangelo... Faculdade é assim mesmo. Tudo é dificil. Se você não é capaz de tirar notas altas, isso significa que você não é capaz de estar no mundo que você quer estar.
As palavras giravam na mente de Mick. O que esse idiota está falando?
--- Como é que é? --- disse Mick.
--- Michelangelo, por favor, não é nada pessoal. Mas acho que uma carreira na moda não é algo destinado á... você. Você devia, sei lá, ser jornalista ou diagramador.
Richard tinh um sorriso irritante no rosto.
Mick estava em fúria. Ele nunca teve duvidas de que seu futuro profissional estivesse no meio da moda. E aí vem esse idiota e diz que ele não serve para a profissão?
--- Pense no que eu te disse, Michelangelo --- disse Richard, levantando-se da mesa e pegando sua bolsa cheia de papeis --- Você daria um excelente... Barista. É.
Deu dois tapinhas leves no ombro de Mick e se dirigiu até a porta. Quando chegou lá, deu um sorriso e fez um "não" com a cabeça.
Saiu com passos rápidos e largos.
Mick tinha na cabeça, no mínimo, oito lugares diferentes para mandar o professor Richard.
O relógio de parede do Archier marcava 15hr45min quando Luigi entrou e sentou-se no balcão. Arthur estava ao telefone, e fez sinal para que o esperasse terminar a ligação.
O dia se arrastava lentamente para Luigi. Ele ficava olhando para o relógio á cada cinco minutos, mas parecia que o relógio avançava apenas um minuto.
Luigi tinha uma pausa na revista e foi para a livraria-café para arejar um pouco a cabeça.
Enquanto estava sentado, esperando Arthur terminar de falar ao telefone, Luigi percebeu olhares curiosos e cochichos sussurados para o amigo. Outros riam, outros olhavam com duvidas e outros o olhavam com certeza.
Quando a ligação terminou, Arthur foi para perto de Luigi e apoiou os cotovelos no balcão. Parecia ter dormido mal.
--- E aí, gatão --- disse Luigi, tentando anima-lo --- Tudo certo?
Arthur suspirou fundo e olhou em volta da loja.
--- Já tive dias melhores. Dias que ninguem me conhecia. Acredita que um cara chegou aqui, dizendo que era produtor de filmes eróticos, e me convidou para fazer um filme?
Luigi ia dar uma risadinha, mas o olhar de Arthur o impediu.
--- Sério? Credo.
--- Pois é --- disse Arthur --- Com roupa de boracha e tudo.
--- E pagavam bem?
--- Pior que sim. Mais do que eu ganho aqui em seis meses.
--- Ual. Você devia ter aceitado.
Arthur sorriu e passou a mão nos cabelos.
--- Talvez. Eu poderia ter sido indicado ao Oscar da industria porno.
--- Ator revelação, com certeza.
Arthur e Luigi riram meio alto.
Arthur foi até a maquina de capuccino e começou a preparar um para Luigi.
--- E aí --- disse Arthur, de costas para Luigi --- Como vão as coisas?
--- Vão ficar melhores --- respondeu Luigi.
--- Amanhã você e o Peter...
--- É, eu sei. Estou tentando não pensar muito nisso.
--- Conseguindo?
--- Não.
Arthur se virou com um copo cheinho de capuccino fumegando.
Luigi olhou para o copo e forçou um sorriso.
--- Eu tentando não pensar, e você me traz capuccino. Você sabe que o Peter que é viciado no seu capuccino. Como não pensar nele se tudo conspira contra a minha vontade? Você é um enviado do inferno, que me traz a tentação.
Arthur levantou uma sobrancelha e olhou fundo para Luigi.
--- Cala a boca e toma logo isso. Aproveita que é de graça.
Luigi piscou repetidas vezes e entrelaçou os dedos abaixo do queixo.
--- Você é uma fada, obrigado.
Arthur sorriu e não disse mais nada. Ficaram alguns minutos em silencio.
--- E então, você vai na Times hoje, não vai?
Luigi revirou os olhos.
--- Acho que não tenho muitas escolhas, tenho?
--- Nenhuma. Mick vai te levar mesmo que for amarrado pelo pinto.
--- Que sexy.
Ao ouvir o sino acima da porta sooar, Luigi e Arthur olhavam naquela direção.
--- Falando no capeta --- disse Luigi, tomando o ultimo gole de capuccino.
Mick entrava no Archier praticamente correndo.
--- Café quente. Pegango fogo. Agora. Por favor. --- disse ele, sentando ao lado de Luigi.
Arthur levou a mão perto da testa e fez sinal de continencia.
Luigi apenas observava.
Mick respirava fundo, quase ofegando. Ficava batendo os dedos no balcão repetidamente e em ordem.
--- Okay --- disse Luigi --- Quem saiu da revista G? Antonio Fagundes? Tony Ramos?
Luigi deu uma risadinha, mas Mick o fez parar com um olhar fuzilador.
--- Já calei --- disse Luigi, silenciado pelo olhar de Mick.
Arthur voltou com mais um copo de capuccino e colocou na frente de Mick.
--- Cuidado, está quente --- Arthur o alertou.
--- Perfeito --- disse Mick --- Talvez eu leve para jogar na cara de um professor.
Luigi e Arthur se olharam suspresos.
--- Chamem os bombeiros e segurem a fera --- disse Arthur.
--- O que aconteceu? --- Quis saber Luigi.
--- Aquele idiota me deu dois de média. DOIS!
Arthur não pode perder a oportunidade de fazer uma piada. Sabe como é, perde o amigo, mas não perde a piada.
--- Se fosse quatro, seria mais gost...
--- Arthur, cala a boca. Por favor.
Luigi colocou a mão na boca, disfarçando um sorriso.
--- Relaxa --- disse Arthur --- Depois você recupera a nota.
Mick fez "Humpf" e começou a beber o capuccino.
Luigi voltou a olhar o relógio de parede. A posição dos ponteiros não havia mudado muito.
--- Esse relógio está parado? --- Perguntou para Mick.
--- Hã ... --- Mick olhou para o relógio e voltou para Luigi --- Não. Está funcionando normal.
Luigi não disse nada, mas fez uma expressão que dizia algo como "é melhor verificar as pilhas desse relógio".
Mick percebeu que Luigi estava impaciente. Não teve duvidas sobre o motivo dessa impaciencia.
Isso era algo raro, mas era nessas horas que Mick sentia uma ponta de inveja (inveja boa, claro) dessa relação de Luigi e Peter.
Mick nunca gostara de compromissos, e a idéia de estar comprometido com uma pessoa, apenas UMA pessoa, era meio dificil de engolir. Mas quando ele via a relação que Peter e Luigi contruiram, ele tinha curiosidade de saber como é ter alguem por muito tempo. Talvez um dia, pensava ele, eu saiba como é essa senação. Estou satisfeito por enquanto.
Mick resolveu tentar animar Luigi.
--- E então, gatão, vamos ferver na Times hoje?
--- Eu preferiria ficar congelado na minha casa.
Mick torceu um canto da boca.
--- Claro, e ficar contando os minutos igual um idiota? Nem pensar.
--- Vai ser legal --- disse Arthur --- O Tom também vai.
Luigi e Arthur se olharam e levantaram as sobrancelhas.
Arthur percebeu o gesto nada sutil.
--- O que é? --- Arthur perguntou.
--- O que? Ham? quem? Eu? --- Mick e Luigi se fizeram de desentendidos.
Eles começaram a rir baixo e Arthur ficou com cara de paisagem.
Mick que parou de rir primeiro.
--- Tom. O seu...? --- ele gesticulou com a mão para que Arthur respondesse.
--- Meu... ?
--- Sim. O seu...?
--- O meu oque, porra?
Luigi deu uma cotovelada na barriga de Mick.
--- Ah, diz logo, Arthur --- Luigi falou --- Você e o Tom. Qual é a de vocês?
A testa de Arthur estava franzida.
--- Do que vocês estão falando?
--- Vocês dois estão ... Não estão?
--- Estão o que?
--- Transando loucamente --- disse Mick.
Os olhos de Arthur reviraram.
--- Claro que não. Ele é só... Um amigo.
--- Um amigo que dorme todas as noites na sua casa. Isso pode ser chamado de outra coisa --- Mick insinuou.
--- Você está morando com o Luigi, mas isso não significa que vocês estejam dormindo juntos.
--- Mas é diferente --- respondeu Luigi --- Você e o Tom tem uma certa ligação. Dá até para virar filme: Você salva o garoto de programa e se apaixonam.
--- E vivem felizes para sempre. --- Mick terminou a frase.
Arthur fazia que "Não" com a cabeça e sorria sem acreditar.
Ele e tom tinham virado bons amigos. Fazia poucas semanas que Tom estava na casa de Arthur, e já comentara várias vezes que ele tinha que ir embora, mas por insistencia de Arthur, ele sempre acabava ficando. Eles passavam noites conversando, e já compartilhavam segredos intimos.
Mas Arthur tinha que confessar que já pensara em Tom de forma diferente. Não queria admitir, mas sim, nutria um certo sentimento por ele.
Mas ele tinha que colocar as coisas em perspectiva. Tom é um garoto de programa, e faz sexo por dinheiro. Quais as possibilidades disso dar certo?
--- Não está acontecendo nada, tá legal? Nada.
--- Tudo bem. Mas você já assistiu o Moulin Rouge? --- Mick perguntou.
Arthur fuzilou Mick, e suspirou fundo.
--- Já. Mas o Tom não é a Nicole Kidman.
--- E não tem tuberculose. --- continuou Luigi.
Por fim, Mick sorriu e desistiu do assunto.
Luigi olhou para o relógio e ficou mais animado. As horas tinham passado um pouco.
--- Vou indo --- disse ele --- Ainda tenho uma modelo anorexica para fotografar.
Quando estava indo para a porta, ouviu a voz de Mick ao fundo.
--- Esteja pronto ás dez horas, mocinha. Esteja bem bonita.
Mais uma vez Luigi revirou os olhos. Isso já estava dando dor de cabeça.
Quando saiu, olhou pela vitrine o relógio de parede.
16hr40min.
Mais algumas horas, pensou ele enquanto dirigia para a sede da Vogue.
Era dez horas em ponto quando Luigi, seguido por Mick, Arthur, Tom e Will, entraram no carro de Luigi. Todos estavam bem arrumado e perfumados. A diferença é que Mick teve que praticamente obrigar Luigi á se arrumar.
Will estava calado, como sempre. Seth ainda ignorava as ligações dele, e também nunca as retornava.
Mick já tinha esquecido o incidente com o professor na faculdade. Tinha prometido á si mesmo que este professorzinho não o chatearia mais.
Depois de estacionar e entregar as chaves para o segurança da Times, eles passaram direto pela fila que se formava na porta. Mick havia colocado o nome deles na lista fazia uma semana.
O ambiente era sempre o mesmo. Luzes para todo o lado, barras de ferro na diagonanal, onde alguns caras sarados e suados dançavam, algumas lésbicas perdidas, alguem fazendo sexo oral em alguem, enfim. Nada nunca mudava na famosa Times.
Mick já vira alguns possiveis pretendentes para aquela noite. Havia um rapaz de cavanhaque em um canto, um musculoso na pista e um com cara de mais novo, no mínimo uns dezoito anos.
Arhur e Tom conversavam entre si, Will estava calado igual um defunto e Luigi estava entediado. --- Vou até o bar --- disse Luigi, sendo seguido por Will.
Mick foi para pista dançar com o musculoso e por alí ficou.
--- Está tudo bem? --- Luigi perguntou para Will quando chegaram até o bar que estava vazio.
--- Não sei. Só queria entender o que está acontecendo.
Luigi sabia muito bem o que estava acontecendo. Teve aquela conversa com Peter meses atrás, a respeito de contar ou não á Will que Seth estava muito doente. Não chegaram a um acordo, mas também nunca falaram para Will a verdade.
Uns poucos metros de distancia, Arthur e Tom riam sem parar. Eles passaram os ultimos minutos falando mal de uma drag-queen que estava usando uma calça de couro na cor laranja.
Quando terminaram de rir, Tom olhou acima do ombro de Arthur, como se tivesse reconhecido alguem. Tentou disfarçar, mas não conseguiu. Arthur olhou para traz e viu o cara muito mais velho que Tom estava olhando.
--- Conhece ele?
Tom fez que sim com a cabeça.
--- Esse cara tem tres filhos lindos, uma esposa que até parece uma modelo, uma casa enorme. E é bissexual.
Arthur entendeu o que ele estava querendo dizer.
--- Vocês já...?
--- Já. Digamos que ele é bem generoso.
Tom tentou sorrir, mas não conseguiu muita coisa. De repente, ele percebeu um jovem de no máximo vinte anos olhando com interesse para Arthur.
Esse jovem usava uma camiseta regata preta colada ao corpo, calça jeans azul e tenis branco.
Arthur já tinha reparado nesse jovem também. Desde que chegara na Times.
--- Vai lá --- disse Tom.
Seus olhos eram cautelosos. Ele evitava olhar diretamente nos olhos de Arthur, como se tivesse medo que tal olhar despertasse nele algo que fazia tempos que não sentia.
Arthur balançou a cabeça negativamente.
--- Não faz o meu tipo. Magro demais, cabeçudo demais. E roupas coladas não me atraem.
--- Sei. Você gosta de couro laranja, né seu safado.
Tom deu um tapa de leve nos ombros de Arthur, que sorriu ao ouvir o comentário.
--- Com certeza. Se for metade homem e metade mulher, aí sim que eu fico na furia.
Luigi gostava muito de Will. Muito mesmo. Mas toda aquela ladainha de "Seth não me ama" já estava dando nos nervos. Luigi se perguntava como alguem pode perder tanto tempo esperando uma pessoa que o magoou profundamente. Tentou inverter a situação, colocando ele e Peter como protagonistas. Mas não conseguiu imaginar nada.
--- Vem, vamos dançar --- disse Luigi, pegando pelo pulso de Will e o arrastando para a pista.
A pista principal estava lotada, mas ainda era possivel dançar sem esbarrar nas pessoas.
Apesar de Luigi não ser muit fã de musica eletronica, o som do Jimmy James o fez se animar um pouco. Até Will pareceu mais animadinho, e ficou de costas para ele enquanto dançava.
As luzes iam em todas as direções. Ora verdes, ora brancas. A musica alta fazia a cabeça de Luigi parar de pensar em seu amor que estava á quilometros de distancia.
Luigi fechou os olhos e sentiu cada sentido ficar mais aguçado. Podia sentir as pessoas ao seu redor, conseguia ouvir a musica e sentir as vibrações emanadas da mesma. Sentia o cheiro e o gosto da fumaça produzida com gelo seco. Cheiro de algo quente, e gosto de algo doce.
Sentiu quando um braço envolveu sua cintura e o fez girar nos calcanhares. Sentiu um par de mãos alisar seu peito. Sentiu o rosto desse homem encostar em seu pescoço.
Abriu os olhos. Olhou para o homem que dançava com ele e alisava seu corpo.
As alturas eram as mesmas. O homem era pálido, uma pele igual á marfim. Seus cabelos eram lisos-ondulados, louros bem claros, e caiam como cachos grandes na altura das orelhas. Seu nariz era reto, bem desenhado.
E os olhos. Azuis igual ao oceano.
Em outras palavras, era lindo.
Luigi fechou os olhos e pensou nele. Não no homem que tentava seduzi-lo, e sim no homem á quilometros de distancia.
As mãos daquele homem seguraram o braço de Luigi e fizeram envolver o pescoço.
Luigi sentia a uma mão em seu peito, e a outra em sua cintura.
Ele está aqui. Posso senti-lo comigo.
A mão caminhava em direção á barriga. Alisava, subia e descia.
Seus rostos estavam mais proximos, Luigi sentia a respiração dele.
Porque foi levado para longe de mim?
Narizes se tocanto. Lábios á centimetros de distancia.
Luigi abriu os olhos.
A onda de realidade o levou para o fundo.
Aquele não era seu Peter. Poderia até ser uma cópia mal feita, mas não era Peter.
Os olhos azuis daquele cara eram apagados, praticamente acizentados. Seus cabelos eram cheios demais, rebeldes. Sua pele era cadavérica de tão branca que era.
Não. Você continua longe de mim. Este é uma versão menos bonita de você.
Luigi se afastou do homem a sua frente, que não entendeu o gesto. Ele voltou a pegar na cintura de Luigi e em seu pescoço. Avançou em direção dos lábios, mas foi impedido por um par de mãos em seu rosto.
--- Você não é o Peter --- disse Luigi, confirmando suas suspeitas.
O homem nao entendeu nada.
--- Que? Quem é Peter.
Ele não obteve resposta. Viu apenas Luigi se afastar em direção á porta de saida.
Queria voltar desesperadamente para casa. Quando olhou para o relógio, percebeu que o tempo passara rápido demais.
23hr27min.
Antes de chegar até a porta, esbarrou em Tom, que se encontrava sózinho.
Ele tinha um sorriso estranho nos lábios. Seus olhos mostravam um conhecimento antigo.
--- Não era o Peter --- disse ele.
Luigi sorriu, cansado. Parecia ter corrido as olimpiadas.
--- Não. Nem de longe.
Tom olhou para o relógio e colocou a mão no ombro de Luigi.
--- Corre. Você tem trinta minutos.
Luigi fez que sim com a cabeça e correu em direção á saida.
Arthur apareceu um segundo depois, tinha acabado de sair do banheiro.
--- O que houve? Aquele era o Luigi?
--- Era. Vamos ter que voltar para casa andando.
23hr37min.
O pé de Luigi não conseguia deixar de pisar fundo no acelerador, até parecia que tinha vida propria.
Enquanto ele dirigia em alta velocidade, um motoqueiro acenou para ele com o dedo do meio, e um pedestre o chamou de maluco em plena rua.
Depois desses avisos nada calorosos, Luigi deu uma folga para o acelerador.
Minha casa ainda estará lá. O telefone ainda estará lá. Peter ainda estará... No navio.
A ultima parte da frase não o animou muito.
Olhou para o relógio novamente.
23hr39min.
Pisou no acelerador mais uma vez.
A sequencia de fato foi algo como no filme "Velocidade Maxima".
Estacionou o carro, entreou na casa, jogou as chaves no aparador, tomou um banho de cinco minutos, colocou a roupa de dormir e deitou na cama.
Respirou fundo e fechou os olhos.
Voltou á abri-los e olhou para o lado.
Seus olhos focalizaram o relógio que ficava acima do criado mudo.
23hr50min.
O dia estava finalmente acabando. Não que a angustia de ter seu amor tambem fosse acabar, mas já teria outro significado. Dalí a alguns minutos eles completariam um novo ciclo em suas vidas. Dez é considerado um numero misticamente rico em signicado, e o cinco também. O numero cinco simbolizava a metade de algo profundamente importante.
Cinco anos. Tantas conversas noite á dentro, tantos sussuros trocados pela manhã. Algumas brigas que foram facilmente solucionadas com um beijo apaixonado.
Dezenas de mudanças de mobilia, várias taças de vinho quebradas. Muitos livros comprados, mas apenas alguns lidos.
Alguns obstaculos também.
Christopher. Eric. A viagem para o Navio. Carmen Cortez.
Luigi deitou para o lado e colocou um braço embaixo do travesseiro.
23hr54min.
A distancia é algo que realmente atrapalha?
Em partes. A distancia atrapalha na parte de toques, carinhos, demonstrações publicas de afeto.
Mas pode ter seu lado bom.
O sentimento de que alguem, em algum lugar, o espera. A sensação mínima de felicidade quando a pessoa que está longe pronuncia palavras simples, como "Sinto sua falta" ou "Queria estar aí com você"
Luigi tentou inverter a situação.
E se eu fosse para longe, para fotografar modelos anorexicas em lugares exóticos? Como seria? Peter sentiria a agonia de ter que ir dormir e abraçar o vazio?
Sabia que sim. Peter sempre foi o mais sentimental daquela relação. Era uma piada interna entre eles, que quando eles se casassem, era Peter que estaria vestido de noiva.
23hr57min.
O coração de Luigi batia rapidamente, mais do que o normal. Podia senti-lo saindo pela garganta.
23hr58min.
Luigi lembrou-se do primeiro beijo que havia dado em Peter, anos trás. Uma chuva terrivel caia, enquanto eles se beijavam ao lado de um antigo teatro.
Sorriu com tal lembrança. Nunca pensou que chegaria tão longe.
Peter era um garoto da cidade grande que estava na faculdade. Ele, Luigi, era um aspirante a fotografo que morava numa cidade minuscula.
Quais as chances deles ficarem juntos?
Milhares. Ambos precisavam um do outro de forma enexplicável. Ambos sabiam o que queriam da vida. Ambos não eram aventureiros. Ambos se apaixonaram no primeiro momento que se viram.
23hr59min.
Luigi respirou fundo. Mais fundo. De novo.
Fechou os olhos e sorriu com a imagem que lhe veio á cabeça.
Peter na época da faculdade, de costas, posando sem saber para uma fotografia.
Uma fotografia. Algo tão simples foi capaz de mudar a vida deles.
É como dizem, a felicidade está nas pequenas coisas.
E o amor? Pode considerar que o amor possa ser encontrado nos lugares mais possiveis de se imaginar?
Sim. Era perfeitamente possivel.
00hr00min. Meia noite. Vinte e quatro horas. 1825 dias. Cinco anos.
Cinco anos. Não conseguia acreditar. O fotografo e o decorador. O cara de olhos azuis com o rapaz de cabelos pretos. O descendente de alemães com o descendente de italianos.
Tudo era perfeito.
00hr01.
Luigi foi arrancado de seus devaneios quando o telefone ao seu lado tocou.
Sabia quem era. E sabia porque estava ligando.
Esticou o braço e pegou o telefone.
Colocou-o no ouvido e esperou.
A pessoa do outro lado da linha fez o mesmo.
Sussurros. O oceano ao fundo.
Corações batendo no mesmo ritmo.
Silencio. Um silencio nada constrangedor.
--- Ual --- disse a voz do outro lado da linha.
Luigi sorriu.
--- Pois é.
--- Quase enlouqueci hoje.
--- Engraçado --- disse Luigi --- Meu dia foi um caos, também.
Peter sorriu e suspirou fundo.
--- Eu te amo --- disse sem hesitar.
--- Você é a unica razão para eu estar aqui. Eu te amo mais do que tudo.
Ficaram em silencio por alguns instantes. Conseguiam sentir a presença um do outro.
--- Obrigado --- disse Peter.
--- Pelo que?
--- Por ter feito parte da minha vida nesses cinco anos.
Luigi sorriu quando respondeu.
--- Obrigado á você por ter feito eu fazer parte. E obrigado antecipadamente aos proximos cinco anos.
Peter deu uma risadinha e olhou para o oceano que se estendia á sua frente.
Ficaram conversando durante a noite toda. Estavam cansados, exaustos, mas isso não importou.
Quem poderia trocar uma vida por outra? Quem seria capaz de deixar que a chama de suas vidas fossem apagadas?
Não houve toques naquela noite. Muito menos um beijo sincero e apaixonado.
Apenas palavras. Tiveram que se contentar apenas com o som de suas vozes.
Vozes que foram levadas pelo vento, mas não esquecidas pelo casal apaixonado que as pronunciaram.
sábado, 28 de novembro de 2009
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