O Filho do Chefe ?
Quando Harry Mackenzie se olhou no espelho, pode ver todos os seus anos no reflexo. Conseguiu visualizar todas as casas decimais. Sabia que estava na hora de se aposentar e eleger o novo presidente da ArtDeco, sua empresa de decoração. Pensou nas suas opções.
Aline Bertine. Inteligente, bonita, com senso de humor. Mas meio lenta para o trabalho.
Charles Zimmer. Talentoso, mas não era exatamente o que se chamaria de presidente de uma empresa.
Peter Calledon. Talentoso, inteligente, um homem de fibra. Homossexual assumido, mas isso era irrelevante.
Gustavo Bueno. Muito novo, ainda. Precisava aprender muito.
Viu que suas opções estavam acabando. Pensou em incluir seu filho na lista. Mas seu filho não era um decorador.
O tempo está passando... --- pensou Harry Mackenzie, quando voltou a olhar para seu reflexo no espelho.
Quando Luigi entregou o telefone para Peter, este não sabia quem poderia ser.
--- Alo? --- disse Peter.
A pessoa no outro lado da linha ficou feliz em falar com Peter.
--- Peter? Sou eu, Anne, a secretária do Harry. Trago boas noticias.
--- Oi Anne, como está, querida? Mas que noticias? Trabalho? Vamos para o Queen Mary antes da data prevista?
--- Não não, nada de trabalho. O senhor Harry chamou os seus melhores decoradores para uma reunião hoje ás cinco da tarde.
--- Qual o motivo?
--- Bem... --- Anne não conseguia esconder o entusiasmo --- Ele vai decidir hoje quem assume a liderança da ArtDeco. E nós dois sabemos quem são os preferidos para tomar a liderança da empresa.
Peter sabia. Ele e Charles Zimmer eram os preferidos por Harry.
--- Bom, às cinco? Tudo bem, estarei aí.
--- Okay. E prepare-se para ter novas responsabilidades, futuro chefe! Beijos!
Quando desligou, Anne pulava de alegria.
Depois de contar a novidade para Luigi, Peter teve que agüentar o entusiasmo dele também.
--- Amor! Parabéns! Vamos comemorar!
Peter não sabia se Luigi estava pulando, se estava beijando-o ou abraçando-o.
--- Lui, relaxa. Não fui indicado. Posso nem me tornar chefe. E para falar a verdade, nem sei se quero tal cargo.
--- Não quer? Por que?
--- Quer dizer, não sei. Comandar e dirigir uma empresa? Eu? Eu não sei organizar nem meu guarda roupa!
--- Não sabe mesmo. Ainda continua colocando suas meias...
A expressão de Peter fez Luigi voltar ao assunto principal.
--- Enfim, bom, se você for indicado, você tem que aceitar, não é?
--- Bom, se eu não aceitar, sou despedido.
Luigi encarou Peter por alguns segundos.
--- Vamos comemorar, futuro chefe da ArtDeco!
Luigi se dirigiu até a geladeira e pegou uma garrafa de champanhe.
No prédio de nove andares da ArtDeco, a sala de reuniões ficava no oitavo andar.
A sala era toda decorada em estilo contemporâneo, com uma janela bem grande que era possível ver o pôr-do-sol no fim do dia.
No meio da sala havia uma mesa retangular, de madeira de carvalho, polida. Na parede havia o logotipo da ArtDeco fabricado em acrílico preto-brilhante.
Eram exatamente cinco horas quando Harry Mackenzie entrou na sala acompanhado de um jovem que aparentava ter no máximo 27 anos. Seus cabelos eram caídos para os lados, castanhos-claro. Seus olhos eram verdes, e no rosto um pouco de barba para fazer começava a despontar do queixo.
--- Olá, meus amigos --- disse Harry ao sentar-se em seu lugar habitual.
O grupo de cinco decoradores acenou com a cabeça. O jovem continuava de pé.
--- Como devem saber, está na hora de eu me aposentar. Construí essa empresa quando eu tinha só 23 anos, e hoje somos líderes no ramo de decoração.
Peter e o resto do grupo assentiam com a cabeça.
--- Essa empresa, que emprega mais de 100 funcionários, incluindo decoradores, paisagistas, secretários, organizadores de eventos, marketing e ajudantes gerais, precisa de um novo líder. Como sabem, aqui nesta sala estão os preferidos para suceder o meu lugar.
O grupo entreolhou-se. Charles Zimmer estava de frente para Peter, com o nariz empinado.
--- Mas eu sinto em lhe informar, meu caros, que a ArtDeco não será dirigida por nenhum decorador.
Os presentes na sala ficaram mudos.
--- Apresento-lhes, meu caros, o novo presidente da ArtDeco. Por favor, conheçam Christopher Mackenzie, meu filho.
Peter não acreditava. Já ouviu falar em Christopher Mackenzie, o filho do chefe que fizera faculdade de direito. Como não havia conseguido ingressar na ordem dos advogados, Christopher Mackenzie trabalhava em uma vídeo-locadora cinco dias por semana.
Christopher sorriu para o grupo, simpático.
--- Filho --- disse Harry --- Estes são as melhores pessoas para te ajudar aqui. Sei que não entende nada de decoração, mas ficará á salvo com essas pessoas.
Um a um, Harry foi falando e apresentado cada um dos presentes. Quando começou a falar em Peter, este corou e sorriu.
Os olhos de Peter e Christopher não se desgrudaram por alguns segundos que pareceram uma eternidade.
Antes da reunião acabar, Harry chamou a atenção de todos os presentes na sala.
--- Meus amigos, tal acontecimento merece uma comemoração á altura! Amanhã, ás nove horas, Cameron Plaza. Apenas para os funcionários da ArtDeco.
Cameron Plaza?! Peter já havia ouvido falar desse lugar, um dos salões mais finos e elegantes da cidade. Praticamente impossível conseguir marcar algum evento lá. Peter ficou se perguntando como Harry conseguira tal feito. Cameron Plaza? Não conseguia acreditar.
Quando finalmente a reunião acabou e todos foram dispensados para irem para suas casas, Peter foi até a sua sala para pegar sua mala que havia deixado lá.
Entrou no elevador e apertou o botão que indicava o térreo. Antes das portas se fecharem, viu que os olhos de Christopher ainda continuavam fixos nele.
Quando chegou em casa, Peter estava morrendo de fome. Pegou um transito enorme para vir para casa, e não tinha comido nada desde que saíra da ArtDeco.
Quando estava preso no transito, a imagem dos olhos de Christopher Mackenzie, fixos nos olhos azuis de Peter, passara algumas vezes na sua memória.
Um advogado que não conseguira entrar na Ordem dos Advogados dirigindo uma empresa de decoração. Claro, ele poderia cuidar de toda a papelada burocrática, mas como conseguiria avaliar o desempenho dos seus funcionários?
Peter não sabia a resposta.
Depois de estacionar o carro na garagem e parar na frente da porta de entrada principal, Peter enfiou a mão no bolso do casaco e tirou as chaves para destracar a porta.
Mas as chaves se tornaram obsoletas naquele momento, pois já estava destrancada. Quando girou a maçaneta e empurrou a porta, uma chuva de papel colorido caiu sobre ele. Seus ouvidos foram invadidos por um som estridente que saia de um tipo muito estranho de buzina colorida.
E seus olhos focalizaram sua sala completamente enfeitada com mais papéis coloridos, e quatro figuras masculinas fazendo mais bagunça ainda.
Mick e Arthur seguravam um cartaz feito á mão, escrito “Parabéns, Peter!”.
Will era o responsável pelo barulho irritante da buzina colorida, e Luigi segurava um pacote de papel picado e jogava para o alto.
Teve que rir. A cena era ridícula demais. E sem falar que não havia motivos para comemorar.
Quando Luigi correu em sua direção e lhe deu um abraço, Peter ouviu as palavras saírem da boca de Luigi “Parabéns, meu amor”
Aquilo já tinha ido um pouco longe demais.
--- Gente, gente, chega --- disse Peter, com Luigi ao seu lado, segurando sua mão --- Eu não sou o presidente da ArtDeco.
Os meninos olharam para ele, pedindo explicações.
Mick foi o primeiro a falar.
--- Como não? Não vamos ficar ricos?
Arthur deu um tapa na cabeça de Mick, com força.
Will franzia as sobrancelhas. Luigi foi o único a falar algo que valesse a pena escutar.
--- Oque? Harry não escolheu você?
--- Exatamente --- Peter estava super de boa.
--- Não me diga que ele escolheu aquele tal de Charles?
--- Okay, não irei dizer. Ele não escolheu nenhum funcionário.
Agora sim os outros garotos estavam de queixo-caido.
--- Ele colocou o filho dele para dirigir a ArtDeco --- explicou Peter.
--- Mas por quê? Aonde ele estudou? Ele trabalhava lá? --- Disse Will, falando pela primeira vez.
Peter pediu que os meninos se sentassem no sofá para explicar a historia. Luigi ficou de pé, ao seu lado, apoiado nos seus ombros.
Resumidamente, Peter contou o ocorrido. Só pulou a parte dos estranhos olhares de Christopher Mackenzie.
Quando terminou o relato, Mick encostou as costas no sofá e cruzou os braços. Só faltou fazer biquinho.
--- E eu achando que íamos ficar ricos --- disse.
--- Acorda, cara. Nem da família você é --- disse Will.
Mick atacou uma almofada feita de tecido australiano em Will.
--- Hei, essa almofada é caríssima, tome cuidado --- Alertou Peter.
Depois de alguns minutos de silencio, Luigi finalmente falou.
--- Espere. Você disse algo sobre o Cameron Plaza?
Os outros garotos olharam para Peter, esperando a resposta. Também tinham ouvido falar daquele lugar.
--- Sim, uma festa lá, amanhã à noite.
Mick estampou um sorriso gigante no rosto.
--- Ual, nós somos o que podemos chamar de bichinhas finas! Vamos á uma festa no Cameron Plaza!
Peter riu quando foi cortar as asas de Mick, novamente.
--- Apenas para funcionários --- disse.
Mick suspirou fundo, impaciente.
--- Vai tomar no...
--- Não ouse terminar essa frase --- disse Luigi, que depois se virou para Peter --- Eu já tirei fotos nesse lugar. É enorme e lindo.
--- E cheio de processos --- falou Will --- Vira e meche eu escuto boatos que tem alguém querendo comprar o Cameron. Dizem que está atolado em dividas.
--- Não importa --- disse Mick --- O status é o que importa. Se um dia eu me casar, vai ser nesse lugar.
--- Até imagino a cena --- Brincou Arthur --- Você toda de branco.
--- Branco é só para as virgens --- disse Will --- E sabemos que Mick já deu até as orelhas.
Uma guerra de almofadas australianas começara na casa de Peter.
Quando Mick, Will e Arthur foram embora, Peter estava na cozinha com o telefone no ouvido, ligando para um restaurante chinês. Não estava com paciência para cozinhar.
Quando terminou de fazer o pedido e desligou o telefone, sentiu Luigi atrás dele, com os braços envolvendo sua cintura.
--- Oi --- disse Luigi, apenas.
Peter sorriu e apertou Luigi contra ele próprio.
--- Está chateado por não conseguir o cargo? --- Perguntou Luigi.
--- Você sabe que não. Estou mais é preocupado.
--- Com o que?
Peter se virou para ficar de frente para Luigi. Quando o fez, sem o menos aviso, Luigi segurou a cintura de Peter e o ergueu, colocando-o sentado na bancada perto da pia.
Peter sorriu com o susto e deu um beijo em Luigi.
--- Sei lá. Um advogado na presidência da ArtDeco? Quais as qualificações dele? Quero dizer, ele só vai elaborar e transcrever os contratos? Ajudar quando alguma decoradora quando ela ficar grávida e pedir licença-maternidade?
--- Ele pode apenas ler os contratos --- brincou Luigi.
Peter continuava sério.
Luigi sabia que Peter estava preocupado era com o futuro da empresa. Peter não tinha medo de perder o emprego, nem nada parecido. Mas a ArtDeco levou anos para conseguir a confiança de várias empresas de arquitetura e engenharia, e até algumas emissoras de televisão. Peter odiaria ver tudo desmoronar por causa de alguém incapaz.
--- Não que eu queira o cargo de presidente e diretor, mas aquele garoto não sabe aonde ele está se metendo.
--- Garoto? --- Perguntou Luigi.
--- Se tiver mais de vinte e cinco anos é muito.
--- Amor, não se preocupe. Ele deve ser inteligente, pois se não fosse, não aceitaria o cargo.
Peter teve que concordar. Suspirou fundo e sorriu.
--- Vamos amanhã na festa, comigo? --- Peter perguntou.
--- Pensei que fosse só para funcionários.
--- E é --- explicou --- Mas poderíamos dar um jeito de fazer você entrar.
Luigi balançou a cabeça.
--- Entrar de penetra no Cameron? No Cameron? Qualquer estranho que chegasse perto daquelas portas seria atacado pelos seguranças do lugar. Já viu aqueles caras? Dois negões musculosos, até parecem dragões.
--- Bonitos?
--- Até que são. Quer saber, acho que eu vou sim.
Peter começou a beliscar a barriga de Luigi por causa do comentário. Quando deram por si, Luigi estava deitado no chão da cozinha, com Peter fazendo cócegas nele.
Quando finalmente Luigi conseguiu segurar os pulsos de Peter, ainda se encontrada deitado no chão, com Peter sentado na sua barriga. Não conseguia respirar direito.
A campainha da porta tocou, era o entregador de comida chinesa que Peter havia chamado minutos atrás.
Arrumando o cabelo, Peter pegou uma nota de cinqüenta e foi até a porta. Entregou para o entregador e disse que ele podia ficar com o troco.
Luigi havia arrastado a mesa de centro da sala e acendido a lareira. Quando Peter apareceu com a comida, ajudou-o a sentar no chão, sob o tapete azul-marinho, sem estampas.
Comeram ali mesmo. Depois ajeitaram as almofadas no chão e se deitaram.
Dormiram ali mesmo.
Dormiram tranqüilos, juntos.
Nem imaginavam a tempestade que estava á caminho.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
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