Dúvida.
Na manhã seguinte, a mensagem deixada secretaria eletrônica havia deixado Luigi um pouco confuso.
Juntos?
Luigi estava na duvida sobre o significado da palavra, da forma como ela foi inserida na frase.
Juntos de “Vamos juntos, eu e você, para o maior navio do mundo” ou “vamos juntos, com mais uma equipe de pessoas, todos juntos”
???
Sentou em uma cadeira da mesa da sala e fez algumas ligações. Quando terminou-as, ouviu Peter descer as escadas.
Não queria aparentar, mas aquele JUNTOS da mensagem o havia deixado meio... Desconfiado? Vigilante? Preocupado? Luigi não sabia qual palavra usar.
Nunca desconfiara de Peter. Nunca. Mesmo Peter trabalhando em um ramo aonde a maioria dos homens dorme com outros homens, Peter nunca havia feito nada que deixasse Luigi preocupado. Talvez a chave para aquele relacionamento sólido fosse a confiança dos dois. E amor, claro. Amor misturado com confiança.
Quando Peter apareceu na cozinha, ainda passando a toalha nos cabelos louros, piscou para Luigi e se dirigiu a geladeira.
--- E aí, gato. Tem leite? Acho que esqueci de comprar. Falando em comprar --- Peter agora estava procurando o leite dentro da geladeira, e Luigi continuava sentado na cadeira, como telefone sem fio ao seu lado --- Esquecemos de comprar pilhas para os relógios. E controle da tevê também está meio fraco e...
Peter foi interrompido por uma voz vagamente famíliar. E mais estranho era que o dono daquela voz se encontrava á quilômetros de distancia.
Christopher.
Luigi havia acessado a secretária eletrônica e colocara a mensagem no viva-voz. Olhava fixamente para Peter.
Quando a mensagem terminou, Peter compreendeu o olhar de Luigi. Um olhar que Peter nunca dera á Luigi a oportunidade de usar.
--- Não quero parecer paranóico, ou coisa do tipo, mas... Quem é esse cara? É o filho do Harry Mackenzie?
Peter havia fechado a porta da geladeira e se encontrava encostado no balcão do armário.
--- Não me olhe assim --- disse Peter, quase ofendido --- E não. Essa mensagem não quer dizer nada, para mim.
--- Bom, ele pareceu meio animadinho demais para ir decorar o navio. O interessante é que nem decorador ele é. Então toda essa animação é por outro motivo...
Peter sabia que Luigi tinha razão. Porque um advogado ligaria para um decorador animado com a possibilidade de ficar mais de um mês no meio de panos, tintas, cores e texturas?
--- Luigi, não é nada disso. Eu nem sabia que ele ia para o Queen Mary.
--- Tudo bem, acredito em você --- Luigi se aproximou de Peter e passou os braços em sua cintura.
--- Mas há algo que eu quero lhe falar.
--- Sobre esse tal Christopher estar interessado em você?
--- Não existe qualquer interesse da parte dele, e muito menos da minha parte.
--- Eu sei disso. Mas... Nunca se sabe. Mas o que você ia dizer?
Luigi soltou a cintura de Peter e encostou na bancada da cozinha.
--- Ele me disse certas coisas... Meio confusas. Ele já tinha tomado alguns ponches á mais, acho que ele estava meio alto.
--- Que tipo de coisas?
--- Coisas meio sem nexo. Na verdade, eu não entendi direito. Eu estou te contando porque eu não quero que você pense que tenha significado algo para mim.
--- Peter, diga logo: Ele demonstrou algum interesse?
Peter não podia mentir. E nem precisava.
--- Sim, pareceu interessado.
Luigi ficou pensativo durante alguns segundos. Olhou para Peter, quase sorrindo.
--- Bem... Dois pontos. Primeiro: Interessado no tipo de ele querer que você diga a diferença entre veludo e crepe? Ou interessado no tipo de... Interessado?
--- Crepe não é tecido, é um... enfim, interessado no sentido de interessado.
Peter balançou a cabeça para dar ênfase á palavra Interessado.
--- Okay. Segundo ponto: O que ele te disse para dar a impressão de que ele estava interessado em você?
--- Algo sobre informações, e sobre os interesses dele já estarem bem claros. Na verdade, querido, eu não entendi muita coisa.
Luigi ficou em silencio por um tempo, olhando para o chão.
Quando finalmente levantou os olhos para Peter, seu olhar não estava mais carregado de duvidas.
Sorriu e voltou a abraçar Peter, que levantou os braços e passou-os pelo pescoço de Luigi.
--- Tudo bem, acredito em você. Só achei estranho.
--- Eu também acharia, se fosse o contrário.
Quando Peter ia dar um beijo em Luigi, o telefone tocou.
Luigi pegou o telefone e atendeu.
--- Alo? Sim. Está. Um momento.
Passou para Peter, que perguntou quem era.
--- Seu novo amiguinho de trabalho.
Luigi se soltou dos braços de Peter e se afastou.
Quando viu Luigi subir meio incomodado para o segundo andar da casa, Peter desejou não ter que trabalhar naquele dia.
Levou o telefone á boca e falou.
--- Christopher? Oi.
--- Olá, Peter. Espero não ter atrapalhado nada.
--- Não, nada mesmo. Pode falar.
--- Só liguei para pedir que me trouxe-se seu passaporte. Como sabe, vamos para a Califórnia em duas semanas e tenho que pegar os dados de todos os decoradores envolvidos no projeto.
Peter prendeu a respiração por um segundo.
Duas semanas para irem para o Navio? Mas em duas semanas...
Peter não tinha visto o tempo passar. Estava animado para que o dia chegasse, mas em duas semanas ele e Luigi fariam cinco anos de relacionamento. Como iria dizer para Luigi que não iam poder comemorar a data mais importante para os dois, juntos?
Christopher continuava na linha, esperando.
Peter retomou a atenção e respondeu:
--- Claro, vou levar. Agora tenho que desligar, tenho que procurar o passaporte. Faz tanto tempo que eu não o uso.
--- Faça isso. Estou ansioso para que o dia chegue. Te vejo na empresa, Peter Calledon.
Desligou sem se despedir.
Peter continuava com o telefone na mão, perdido em pensamentos.
Não que tivesse esquecido o dia de aniversário de namoro, mas os preparativos da viagem de trabalho haviam feito que sua atenção fosse voltada apenas para o trabalho. Pensou nas suas opções.
Poderia não ir. A ArtDeco chamaria outro decorador para o trabalho. Mas se não fosse, estaria perdendo uma grande oportunidade, afinal não era qualquer navio, mas sim o Queen Mary 2!
Poderia ir, esperando que Luigi entendesse. Ele e Luigi não haviam marcado nada de especial, mas ficar separados não estava nos planos.
Muito menos estar separados pelo oceano.
Colocou o telefone na base e subiu as escadas.
Olhou para as milhares de fotos que estavam grudadas por imãs em um quadro de metal, pendurado na parede. Havia milhares de fotos. Fotos com os amigos. Apenas os amigos. Amigos homens.
Nicollas procurou alguma foto de Mick ao lado de uma mulher. Não encontrou nenhuma.
Abriu a gaveta de roupas do filho, a procura de algo. Algo que ligasse o que ele tinha visto semanas atrás á conclusão que ele havia criado. Ou a hipótese que ele havia formulado.
A cena ainda não saia de sua cabeça. Viu o único filho, Michelangelo Bernal, beijar outro homem e entrar no carro do mesmo.
Não. Não podia ser isso.
Olhou para as roupas do filho. Nada muito colorido, a maioria sem estampas ou sem cores muito vibrantes.
Mas roupas muito... justas. Para que? Para mostrar os músculos que não existiam? Michelangelo era magro de dar dó.
Talvez justas para atrair aqueles que gostavam de garotos magros?
Nicollas não conseguia compreender. Fechou a gaveta e sentou-se na cama.
Um quarto comum. Cama, aparelho de som, Cd´s. Fotos dos amigos, algumas fotos de família.
Ao lado da cama havia um criado-mudo com uma gaveta. Abriu-a.
Nada demais. Papéis. Umas canetas sem carga, recarregador de celular, prendedores de papel. Nada demais.
Remexeu mais na gaveta e achou alguns pacotes de preservativos. Resolveu vasculhar mais.
Olhando para os papeis que estavam dentro da gaveta, um lhe chamou a atenção. Era um flyer de uma balada.
O flyer mostrava um ambiente grande, com luzes verdes e azuis para quase todos os lados. Na parte de trás, havia dois homens apenas de sunga, em movimentos que davam a idéia de estarem dançando. Viu o nome da casa e sua localização.
The Times.
Respirou fundo e calmamente. Antes de sair do quarto, colocou o flyer no bolso do casaco.
Bob era magro, tinha os olhos esverdeados e cabelos castanho-claros. Mais ou menos alto, nada exagerado. Trabalhava em uma grande imobiliária e era encarregado de organizar festas, eventos de caridade, reuniões de empresas e esse tipo de coisa. Trabalhava naquilo de que as pessoas chamam de “Relações Publicas”
Mas apesar de ser bom para tal serviço, Bob era meio bobo. Podia ser bonito, ter um bom emprego, um apartamento legal, mas era... Fofo demais.
Homens gays gostam de ser tratados com carinho, isso é fato. Mas precisam saber balancear tanto carinho.
E Bob não sabia.
Quando estava em um relacionamento, Bob conseguia ser um príncipe encantado. Daqueles com cavalos e tudo. Mas em certa hora, Bob deixava de ser um príncipe para se tornar um sapo. Um sapo que fica fazendo barulho à noite inteira.
Bob ligava á cada quinze minutos para o namorado para dizer que estava com saudade.
Bob fazia poemas épicos e grava sua voz em CD, recitando-os.
Bob não comprava flores. Bob plantava em seu jardim e entregava com terra e tudo.
Bob gostava de ver as comédias românticas da Sandra Bullock e ficar comentando depois que o filme acabava.
Bob gostava de discutir qual ópera era a mais bonita: Evita, Tosca ou o Fantasma da Ópera.
Bob sempre chorava ao ver Titanic. Ele também chorava com Uma Linda Mulher, Noiva em Fuga, Outono em Nova York e até mesmo no Edward Mãos de Tesoura.
Ver The OC deixava Bob deprimido. Quando a Marissa Coper morreu, ele escreveu uma canção, intitulada de “Ode á Marissa Coper”
No sexo, Bob não era muito diferente. Enquanto transava, Bob gostava de dizer palavras carinhosas ao seu parceiro. Não tinha aquilo que muitos chama de “pegada”
E depois de transar, Bob não queria ficar deitado, ou dormindo. Gostava de ficar acordado, de frente para o parceiro, dizendo o quanto eles eram especiais.
E apesar de Bob ser um romântico-chato pra caramba, Arthur gostava da sua companhia. Gostava de ter alguém tão fofo e delicado ao seu lado.
Estava se preparando para apresentar Bob ao seus amigos. Ligou para Will para contar a novidade.
Will riu até não poder mais.
--- Porque você está namorando o Ursinho Pooh? Quer dizer, não tinha mais ninguém disponível? Aposto que até o Bob Esponja é mais interessante.
--- Will, não julgue antes de conhecê-lo. Ele é legal.
--- Não estou dizendo que não é legal. Pode ser legal e tudo mais, mas chorar vendo Edward Mãos-de-Tesoura? Quantos anos ele tem? Onze ?
--- É uma historia triste --- disse Arthur, tentado justificar o namorado.
--- Claro que é. O cara tem tesouras em vez de mãos. Imagine ele batendo punheta. Sangue pra todo lado.
--- Enfim, Will... Pretendo apresentá-lo formalmente aos meninos na próxima semana. Tem noticias do Peter?
--- Pelo que me lembro, ele vai para a Califórnia em duas semanas. Deve estar eufórico.
--- E o Mick?
--- Não faço idéia de aonde aquela bicha anda. A ultima vez que falei com ele foi quando combinamos de ir na Times, mas ele não apareceu.
--- Sobre isso, ele me ligou uns dias depois. Disse que encontrou um conhecido e passou a noite com ele.
Will murmurou, como se não tivesse nada a dizer.
--- E você, Will? Dando muito?
Will pensou um pouco. Imagens de homens diferentes, lugares diferentes e posições diferentes passaram pela sua cabeça.
--- Um pouco. Sabe como é, só para não criar teias de aranha.
--- Falando nisso, eu vi o Seth.
Will abaixou uma sobrancelha e levantou a outra.
--- O que teias de aranha têm a ver com o Seth? Ele virou mulher? Agora têm super poderes?
--- Só aproveitei para falar dele. Está estranho.
A atenção de Will ficou mais clara.
--- Estranho? Estranho como?
--- Aparência. Está magro, pálido... Mais pálido do que o Peter.
--- Ual. Estão está mesmo bem pálido.
--- Pra você ver... E está careca.
--- Que? Como disse?
--- É, careca. Parece uma lâmpada. Devia ir vê-lo.
Seth raspou a cabeça? Teria entrado em algum grupo religioso ou coisa parecida?
--- Vou ligar para ele, qualquer dia desses. Querido, vou desligar, tenho que resolver umas coisas.
--- Okay. Fazer alguma coisa hoje á noite?
--- Na verdade, vou sim. Uma festa com um pessoal.
--- Bom, divirta-se. Bob vai lá em casa hoje, vamos ver Titanic.
--- Titanic de novo? Por que não alugam um filme mais... Recente?
--- Bob ama Titanic. Tem paixão profunda pela Kate Winslet.
Will balançou a cabeça, incrédulo.
--- Bom, divirta-se você também. Beijo.
Desligou o telefone e viu a pilha de papéis que tinha sobre a mesa.
Não estava com paciência para aquilo. Queria ir para casa e queimar toda aquela papelada.
Aquela noite prometia.
Ah algumas semanas atrás, Will transou com um cara que tinha um amigo que organizava festas. Na verdade, não eram exatamente festas. Eram orgias.
Esse amigo do cara que ele havia transado tinha um apartamento na cobertura de um prédio de trinta e cindo andares. As festas ali, segundo diziam, eram sempre ótimas. Por morar na cobertura, o apartamento maior do prédio, havia espaço para transar á vontade.
Will andara se informando, e descobriu que muitas pessoas que iam ali transavam na varanda.
No começo, Will estava meio relutante em aceitar a idéia de participar de uma orgia. Mas depois de ver alguns vídeos na internet, resolvera ir.
Nos vídeos, era pinto para todos os lados.
Will olhou em volta, e depois para o relógio.
Pegou o casaco que estava preso no encosto da cadeira e saiu do escritório.
Quando Luigi o viu, seus olhos já diziam algo que Peter já sabia.
--- Daqui a duas semanas...
--- Fazemos cinco anos juntos, eu sei.
--- E você vai para a Califórnia.
Luigi fechou o calendário e pousou o celular no criado-mudo. Esperava encontrar uma solução.
--- Eu posso ficar --- disse Peter.
--- E perder a chance de decorar o maior navio do mundo?
Peter sentou ao lado de Luigi e segurou sua mão.
--- Eu sei. Mas eu não queria ficar longe de você nesse dia.
Luigi suspirou fundo e apoiou a cabeça no ombro de Peter. Ficaram alguns minutos em silencio.
--- Quem era ao telefone? --- Perguntou Luigi, rompendo o silencio.
--- Quer mesmo saber?
--- E por que não?
--- Era o Christopher. Lembrando-me de levar o meu passaporte hoje.
--- Humpf. Ele devia estar no castelo negro onde ele mora, preparando a festa de comemoração por conseguir te levar para longe de mim.
Peter sorriu e deu um beijo na bochecha de Luigi.
--- Eu quero esse cara bem longe de você.
--- Bom, vamos ficar umas três semanas no mesmo ambiente. Acho meio difícil.
Luigi puxou um dos cantos da boca.
--- Tenho que ir trabalhar. E você também. --- disse Peter.
--- Te vejo aqui á noite? Lembra-se, combinamos de ficar a noite inteira acordados.
--- Sim, eu me lembro, e eu estarei aqui. Não demore okay? Estarei te esperando.
Peter beijou Luigi no rosto e desceu as escadas, rumo á garagem.
Luigi olhou para o relógio e viu que tinha alguns minutos. Desceu até a cozinha e preparou uma tigela de cereal. Cereal cru, pois Peter esquecera de comprar leite.
Se dirigiu até a sala, e ficou um tempo admirando-a. Peter havia decorado aquela sala desde o carpete até o lustre que havia no teto.
Enquanto vagava por pensamento, o telefone tocou, despetando Luigi para a realidade.
Quando atendeu, quase caiu para trás.
--- Aqui é Vittoria Walker. Gostaria de falar com o Luigi Cortez.
--- Vittoria, Oi, é o Luigi. Mas que surpresa.
--- Surpresa o que? Que eu saiba usar o telefone? Se acha mais inteligente do que eu?
Luigi percebeu que teria que dosar as palavras.
--- Não, claro que não. Mas diga-me, no que posso ser útil?
--- Bom, meu filho me contou o que aconteceu quando você foi fotografá-lo.
Por essa Luigi não esperava. Imaginou Eric contando para a mãe “Aí eu tirei a roupa e sentei na mesa dele. Mas ele não quis me comer”
--- Contou? --- Luigi estava sem ar --- O que ele contou?
--- Bom, como chefe da equipe de fotografia, você devia estar mais atento ao seu material. Como um fotografo não carrega pilhas extras no bolso?
Claro que ele não contou a verdade, pensou Luigi.
--- Esqueci, juro que esqueci.
--- Espero que isso não aconteça novamente, jovenzinho. Você trabalha na Vogue, e trabalhar na Vogue é assumir grandes responsabilidades.
Luigi se sentiu o Homem-Aranha. Mas a que falava no outro lado da linha não o tio Ben.
--- Mas então, meu filho vai hoje, no fim do expediente, tirar as fotos. Está com todo o equipamento necessário?
Por essa Luigi não esperava. Achava que tivesse assustado aquele menino, mas pelo jeito isso não aconteceu.
--- Sim, estou.
--- Muito bem. Espero ver essas fotos até o fim da semana, entendeu? Pois bem, tenho que desligar. Faça um bom trabalho. Aliás, você já não deveria estar aqui?
--- É segunda. Na segunda eu trabalho a partir das 11.
--- Ótimo. Até logo, Cortez.
Desligou o telefone sem dar o Tchau básico.
Luigi prometeu a si mesmo que, não importando a hora que fosse tirar essas malditas fotos, estaria cedo em casa.
Pegou a chave do carro e foi em direção á garagem.
Passou pelos seguranças e os cumprimentou. Depois pelas recepcionistas, para finalmente entrar no elevador.
Quando chegou ao seu andar, avistou logo a sua sala. Era a de portas cor vinho, no fim do corredor.
Sua secretaria Katharine já estava na mesa que ficava perto da porta, segurando um copo de café. Peter nunca pedia isso á ela, mas Katharine sabia do vicio em café que Peter tinha.
--- Bom dia Katharine, e obrigado pelo café.
--- Bom dia, senhor Calledon. Se precisar, me chame.
Quando entrou na sala, Peter achou estar vendo coisas. Não que tal visão fosse impossível, mas já estava começando a achar tudo aqui ridículo.
Christopher estava sentado na cadeira de Peter, com os pés em cima da mesa estilo Georgiano, também pertencente a Peter.
Em suas mãos, estava o retrato de Peter e Luigi juntos.
Christopher sorria quando falou.
--- Formam um belo casal, sabiam?
Peter apenas balançou a cabeça afirmativamente, e disse:
--- Eu sei. Bom dia para você também.
--- Desculpe a invasão, mas é que aqui estava meio chato.
Christopher pousou o quadro sob a mesa e cruzou os dedos.
Peter apenas olhava.
--- É uma empresa --- disse Peter, seco --- Um ambiente de trabalho.
--- E só por isso tem que ser chato? Eu fui tentar conversar com os outros decoradores. Não deu muito certo.
--- Por quê?
--- Eles só sabem de falar de textura e de tecidos. Não é para mim.
Claro que não, você não é um decorador...
--- Você vai se acostumar.
--- Tenho que me acostumar, afinal vou passar três semanas no maior navio do mundo com um monte de decoradores animados. Falando nisso, ouviu minha mensagem?
Claro que ouvi, pensou Peter, meu companheiro quase brigou comigo por sua causa. Sem perceber, Peter estava começando a gostar menos de Christopher.
--- Sim, ouvi.
--- E ficou animado?
--- Para que?
--- Para ir comigo.
Peter estava cansado dessa historia. Devia ser sincero com Christopher ou devia continuar se fingindo de bobo?
--- Bem, vamos em grupo, lembra-se? Eu e mais 21 decoradores. E você.
Christopher pareceu menos animado.
--- Mas pelo menos vamos. O que seu namorado achou de você ir?
--- Ele me apóia, assim em como qualquer decisão que eu tomo. E Christopher, sem querer parecer rude, eu preciso da minha mesa.
--- Ah é, claro --- Christopher se levantou rápido da cadeira --- Desculpe. Quer almoçar mais tarde? Ou beber um café?
--- Vou estar ocupado. Quem sabe em outro dia.
--- Ora, o que é isso, Peter Calledon. Você precisa se alimentar.
Peter ainda perguntava porque Christopher ainda o chamava pelo segundo nome.
--- Se der, eu vou. Mas quero trabalhar bastante hoje, fiquei um bom tempo longe.
--- Tudo bem, então. E me avise se for comer. Ou ... Se quiser comer algo diferente.
Christopher olhou maliciosamente para Peter, e depois saiu.
Cara estranho, pensou.
Sentando-se na cadeira, Peter vasculhou sua mesa com os olhos, tudo no lugar.
Menos um objeto.
Apenas sua agenda de contatos estava aberta, no canto da mesa, com a caneta dentro, marcando a pagina. A pagina marcada era a de contatos com a letra C.
No fim da pagina, um novo nome e uma série de números que Peter não conhecia.
Mas conhecia o nome. O nome pertencente á pessoa que tiraria toda a estabilidade da vida de Peter. E Peter ainda não tinha a mínima noção disso. Ainda.
Will deixou o escritório no meio do expediente sem dar explicação alguma. Estava cansado daquele lugar. Cansado de papéis, arquivos, estagiários incompetentes.
Quando fazia uns cinco minutos que Will não andava no transito, pegou o celular e ligou para um contato salvo na lista telefônica.
Um toque. Dois. Três e meio.
--- Alô? --- Falou uma voz firme do outro lado da linha.
--- Jimmy? Oi, é o Will.
Um silencio perdurou por uns dois segundos.
--- Quem? Que Will?
--- Dormimos juntos faz umas duas semanas. Advogado... Cabelos castanhos levemente despenteados...
Enfim, o reconhecimento.
--- Siim! Claro, lembro sim. E aí?
--- To legal, e você?
--- De boa. Desculpe não lembrar logo de cara, sabe como é.
--- Sem problemas. E aí, o que vai fazer hoje? Estava pensando se...
--- Vou me encontrar com uns amigos e depois ir para uma casa nova que abriu perto do centro. Quer ir também?
--- Casa nova? Qual?
--- Chama-se Newpsies. Grande, fez uma boa divulgação...
Will pensou por um momento. Poderia ficar em casa, sozinho vendo filmes. Ou poderia ir a um lugar legal, com pessoas interessantes e até descolar alguém no final da noite. Ou alguns.
Decidiu ir.
--- Certo, eu vou. Que horas você vai estar lá?
--- Lá pelas nove, talvez. Me liga quando chegar lá. Agora tenho que ir, beijo gato.
Desligou antes mesmo de ouvir a resposta de Will.
Desde que Will deixara de ficar pensando no “amor-perdido-para-sempre”, também conhecido como Seth Austin Lee, sua vida sexual estava mais ativa.
Will não perdia mais tempo pensando no que aconteceu, ou no que ele poderia ter feito para evitar. Resolvera viver intensamente.
Não sabia dizer se estava mais feliz. Dormia com muitos homens, em sua maioria desconhecidos, que nem se lembravam dele quando acordavam de manhã. Para eles, Will era só mais um que dividia a cama.
Para Will não era muito diferente. Estava cansado daquela coisa de “Vou ter o meu final feliz” “O amor vence tudo” e toda essa porcaria. Nem mesmo, quando chegava em casa na manhã seguinte, a sensação de vazio era bem menor. Era administrável. Conseguia viver com ela, mas não tinha forçar para encarar de frente á realidade.
Tinha também novos amigos. Novos contatos, dizendo melhor.
Mesmo tendo se afastado um pouco de Luigi e Peter, Mick e Arthur, amava aqueles garotos. Sabia que eles estariam ali quando precisasse. Mas estava meio saturado deles.
Peter e Luigi estavam juntos fazia uns trezentos anos. Mick era uma bicha fashionista que dava para qualquer um, e Arthur era um micro-empresário que não desistia de encontrar alguém.
Will queria um pouco mais.
Tinha conhecido mais pessoas nas ultimas semanas. Tinha ido a festas, dormido com pessoas bem-dotadas. Seu mundo cresceu de uma forma bem estranha, mas ao mesmo tempo muito libertadora. Ir para casa e ficar conversando com as paredes não eram mais opções válidas para ele. Tinha sempre alguém para ligar, algum lugar para ir.
Não sabia dizer se estava realmente feliz, mas estava menos triste. Isso devia valer.
Quando finalmente seu carro voltou a andar, animou-se para ir para casa. Ainda tinha que tomar um banho, comer alguma coisa e sair para passar a noite inteira fora.
Rapidamente, Luigi foi até as sua sala e atendeu o telefone.
Vittoria Walker. Séria. Mau-humorada.
--- Meu rapaz, está tudo pronto para tirar as fotos de Eric?
Putz! Pensou Luigi. Havia se esquecido disso.
--- Hã... Claro, claro. Quer dizer, só falta as fotos da modelo da próxima capa, aí poderei fotografar com ele.
--- Ótimo. E não demore.
--- Sim senhora.
--- E eu gostaria de lhe pedir uma coisa, poderia levar ele para casa, depois da sessão? Eu estou indo embora agora, e ele já está aqui ao meu lado. Terei que resolver uns problemas na escola dele.
Ele deve ter feito mais um professor ser demitido, pensou Luigi.
Luigi olhou para o relógio. Seis e vinte e um. Tinha que sair dali pelo menos antes das nove. Peter estaria esperando por ele, em casa.
--- Tudo bem, senhora Walker. Eu o levo pra casa.
--- Perfeito, ele já está descendo. Até logo, rapaz.
Luigi colocou o telefone no gancho e saiu da sala.
As fotos de capa geralmente são no máximo sete fotos. Uma vai para a capa, e as outras seis vão para o núcleo da revista, a parte concentrada em falar sobre o assunto proposto na capa. Isso demorava menos de meia hora.
Eric Walker chegou em dezesseis minutos.
Quando Luigi viu o garoto com cara de bebê, encostado na porta do estúdio, teve vontade de sair dali. Depois da cena na sua sala, passou a ver aquele garoto com um asco enorme.
De alguma forma, aquele garoto lembrava Mick.
Interessante. Luigi tinha que aturar duas pessoas que não gostava só por causa da influencia externa de outras pessoas.
Tinha que agüentar Mick por causa de Peter.
Tinha que agüentar Eric por causa de Vittoria.
Teve vontade de gritar.
Quando terminou de fotografar a modelo da capa, viu um sorriso falso no rosto do garoto.
Viu quando o garoto tirou o casaco azul da escola, e jogou para o outro lado da sala.
--- Estou ansioso para começar --- disse Eric.
--- Então é só você.
--- Ora ora, sabe com quem você esta falando? --- ele chegou bem próximo do rosto de Luigi --- Com o filho da sua chefe. É melhor você começar a me tratar direito. Sabe, com mais... amor.
Luigi afastou o corpo e se virou, em direção ao equipamento.
--- Você não sabe o significado dessa palavra, então não a pronuncie. E para falar a verdade, foda-se de quem você é filho, para mim não interessa.
Luigi esperava que depois dessa resposta, a ira de Eric viesse como água caindo de um balde.
Nem chegou perto. Nem longe.
Eric apenas balançou a cabeça e corcordou.
A sessão de fotos foi estranhamente normal. Os únicos pedidos de Eric era de trocar a roupa á cada foto. Luigi concordou, mas isso o fez demorar mais. Quando era quase dez horas, a secretaria de Vittoria Walker apareceu no estúdio e perguntou á Eric se ele ia mesmo para casa com a carona de Luigi. Disse que sim, estranhamente feliz.
Antes de sair, a secretaria chamou Luigi para fora do estúdio, para dar um recado de Vittoria.
Assim que Luigi saiu da sala, o celular dele começou a vibrar em cima da mesa.
Eric aproveitou a oportunidade.
Chegou perto da mesa e olhou no visor. Setas azuis apareciam embaixo de um nome.
Peter.
Eric apertou o botão verde e colocou o celular no ouvido. Ficou apenas ouvindo.
Não demorou muito para que uma voz macia soasse do outro lado da linha.
--- Lui? Amor, você está aí?
Uma ótima oportunidade para Eric. Esperou alguns segundos e encerrou a ligação. Antes que Peter pudesse ligar novamente, Eric abriu o celular e retirou a bateria, fazendo o aparelho desligar.
Guardou a bateria na bolsa que trazia consigo, e voltou para a posição que estava antes de Luigi sair.
Quando Luigi voltou, nem reparou que seu celular estava mais leve.
Olhou no relógio de pulso e desanimou com a idéia. Eram 11hr47min.
Sabia que tinha falhado. Tinha prometido á Peter que passaria a noite inteira com ele, acordado. Sabia que não ia ser assim. Peter tinha que trabalhar no dia seguinte, e ele também.
Teve raiva de si mesmo.
O silencio foi cortado pela voz do garoto que estava ao seu lado. Eric passou a sessão inteira quieto, e Luigi pensou que seria assim no trajeto para a casa do garoto.
--- Está pensativo. Uma rapidinha por seus pensamentos.
Luigi revirou os olhos.
--- Eu prefiro quando você não está falando. É mais agradável. Ou menos insuportável.
--- Luigi, querido, relaxa. Ninguém precisa saber que você está louco para ficar entre quatro paredes comigo. É o nosso segredo, ok?
--- Garoto, acorda. Eu não transaria com você nem se você fosse o ultimo cara na face da terra.
--- Mas como eu não sou o ultimo cara da face da terra, é bem capaz que você queira transar comigo. Pense bem. Ninguém precisa saber.
Eric se aproximou de Luigi e começou a passar a mão pela sua perna. Tentou subir para a virilha, mas um tapa rápido e ardido de Luigi o impediu.
--- Não toque em mim, esqueceu?!
--- Sabe de uma coisa que eu não esqueci? Dos seus olhos. Seus olhos quando eu estava pronto para você, na sua mesa, naquele dia.
--- Olhos de nojo? Asco?
--- Desejo. Deu até pra ver o volume crescer dentro da sua calça. Aposto que fica maior ainda.
Luigi estava cansado daquele garoto. Considerou a idéia de um soco bem dado no meio do rosto. Desconsiderou rapidamente, pois isso poderia fazê-lo perder o emprego.
Finalmente chegaram ao apartamento onde Eric morava com a mão, Vittoria.
--- Obrigado pela carona --- disse Eric.
--- Espero que não ocorra novamente.
--- Pois é. Espero que da próxima vez você me leve para um lugar mais reservado.
Luigi não disse nada. Esperou que ele abrisse a porta e saísse do carro.
Antes de bater a porta, Eric se virou e disse.
--- Pense. Ninguém saberia. Nem minha mãe, nem o seu Peter. Aliás, ele te ligou.
Quando Eric se afastou do carro, Luigi pensou ter entendido mal.
Sozinho, procurou o celular na bolsa e tentou liga-lo.
Nada.
Bateria descarregada? Pensou. Não podia ser, tinha colocado ele para recarregar na noite anterior.
Notou a estranha leveza no aparelho. Virou-o e abriu a tampa que guardava o chip e a bateria.
Não precisou pensar muito. Todas as linhas de raciocino ligavam á apenas uma pessoa. Eric Walker.
Pensou em ir até a portaria do prédio e pedir para que Eric descesse e devolvesse a bateria. Mas nem chegou a sair do carro.
Dane-se. Amanhã eu compro outro.
Quando olhou para o relógio de pulso, voou para casa.
O relógio marcava 12hr19.
Tomou um banho rápido, tirou toda a roupa e deitou na cama.
Quando se preparava para dormir, não viu que Peter estava de olhos abertos, esperando que seus braços o envolvessem.
Peter não tinha nada para falar. Luigi sim, tinha explicações a dar.
Mas o silencio permaneceu soberano até a manhã seguinte.
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