Triangulo sem pontas.
A rua sinuosa á sua frente já era muito conhecida. Morou naquela rua durante anos. Sabia onde iam dar todas as curvas, sabia o nome de todos os vizinhos, de todos os gatos e cachorros que também moravam ali.
Quando chegou á maior casa da rua, de cor branca e jardim cheio de ervas daninhas, Peter suspirou e girou a chave na ignição, fazendo o motor parar.
Não tinha muitos lugares a ir. Voltar para casa e enfrentar a verdade? Sem chances.
Rodar a noite inteira e ir para o escritório na manhã seguinte? Era provável.
Mais um pensamento passou-lhe pela cabeça. Não sabia bem o que sentir, mas considerou a idéia.
Ir á casa de Christopher e ficar a noite inteira conversando com ele? Poderia fazer isso.
O único medo de Peter era de que fizesse algo que se arrependesse. Ele estaria pronto para atirar pela janela os seus quase cinco anos? Os quase cinco anos mais perfeitos e felizes da sua vida? Estaria ele pronto para desistir de tudo e começar do zero?
Não. Não estava pronto para desistir ainda.
Ainda estava dentro do carro quando tomou a decisão. Não iria correr para a casa dos seus pais, como se tivesse oito anos de idade.
Girou a chave novamente e disparou para longe da sua antiga casa.
Enquanto dirigia, lembrou-se dos últimos acontecimentos.
Não era sobre a camisinha ou a briga sem palavras que tinha tido com Luigi.
Antes de sair do condomínio fechado, Peter passou pela portaria e perguntou ao porteiro daquele turno quem tinha entrado ali durante o dia. Era trabalho do Porteiro registrar em um livro o nome e o numero de telefone de qualquer novo visitante.
Conferindo o tal livro de registros, o porteiro conseguiu apenas informar um nome e um numero de telefone. Tal nome havia visitado sua casa naquela tarde, enquanto Peter estava fora.
Eric Walker.
Peter não fazia idéia de quem poderia ser. Mas o sobrenome não era estranho para Peter.
Walker. Aonde tinha ouvido aquele nome antes?
Tinha anotado em um papel o numero de telefone.
Ligar ou não ligar? E se ligasse o que iria fazer? Pedir explicações?
Acabou não ligando. Não tinha coragem de fazer isso.
Não percebeu para onde estava indo. Estava completamente á deriva.
O celular não parava de tocar. O visor iluminava praticamente todo o carro. E um nome aparecia, acima de uma setinha verde.
Luigi.
Peter não atendeu aquela ligação. Nem as outras seis que se seguiram.
Parou em frente á um hotel de quinta categoria. Estava cansado, e tinha alguma grana no bolso.
Ficou no quarto de numero doze. Não era o que podia de se chamar de bonito. Era... não sabia como descrever.
Peter também não se importava. Só queria que aquela noite acabasse logo. Pela manhã, iria para casa e conversaria com Luigi.
Estava se preparando. Se Luigi estivesse com as malas prontas para ir embora, aceitaria sem se humilhar. Não haveria choro, nem drama, nem perguntas. Apenas aceitação.
Sentou na cama com o celular na mão. Olhando rapidamente para a lista de contatos, um lhe chamou a atenção.
Selecionou o tal numero e apertou o botão verde. Pouco segundos depois, uma voz atendia a ligação.
Luigi estava desesperado. Já havia ligado para todas as pessoas que Peter podia ter ido pedir ajuda.
Nenhuma delas havia o visto naquele dia, muito menos á noite.
Uma idéia absurda passou-lhe pela cabeça. Pegou o telefone da sala e apertou um botão que mostrava todos os números que haviam ligado para a casa nas ultimas semanas.
Considerou a idéia. Era mesmo tão absurda assim?
Luigi trabalhava até tarde, enfrentava um garoto que queria desesperadamente fazer sexo com ele. Tinha deixado Peter sozinho. Peter estava se sentindo sozinho. Seria tão absurdo que Peter tivesse encontrado um amigo e sua solidão fosse amenizada?
Seria mesmo apenas um amigo?
Olhou para o numero e fez a ligação.
--- Eu estava esperando você ligar. Vou conversar com ele. Mantenho-o informado.
Três toques na porta, e Peter já estava abrindo-a.
Christopher sorria quando Peter abriu a porta para ele. Não estava de terno, usava uma camiseta preta e uma bermuda azul-marinho. Pijama, talvez?
--- Obrigado por vir --- disse Peter.
--- Por nada. Você está bem? --- Chris perguntou, enquanto entrava no quarto.
Christopher avaliava o aposento onde se encontrava. Parecia que não era limpo á semanas.
--- Desculpe ter te ligado. Mas é que... Eu não queria ficar sozinho aqui.
Christopher segurou Peter pelos pulsos e o fez sentar na cama.
--- Você não precisa ficar sozinho. Você nunca está sozinho. Você tem o Luigi.
Peter não o olhava nos olhos quando respondeu.
--- Tenho? Será que tenho? Eu não sei... Nunca tive tanta incerteza.
--- Você me ama?
A pergunta pegou Peter de surpresa. Não esperava por essa.
--- Como?
--- Só responde. Me ama? Ficaria comigo, mesmo estando com o Luigi? Só responda.
Christopher estava a centímetros do colo de Peter. Podia sentir seu cheiro doce.
--- Christopher, eu...
--- Peter, responda! Ficaria comigo?
--- Não --- Peter respondeu.
--- Então o que está fazendo aqui? O que está fazendo aqui, e comigo? Olha para este lugar. Você está no lugar errado, com a pessoa errada.
As palavras soaram confusas na mente de Peter.
--- Não com a pessoa errada --- Foi apenas o que Peter conseguiu responder.
Não soube dizer se foram minutos, segundos ou horas. Mas não percebeu quando foi que os lábios de Christopher tocaram os seus.
Macios. Quentes. Revelando um desejo contido.
Poucos segundos, com certeza.
Christopher interrompeu o beijo. Teve que criar muita coragem para fazê-lo. Fazia poucas semanas que conhecia Peter, e já sentia um carinho enorme por ele.
Finalmente estava ali, com ele. Para ele. Apenas os dois, sozinhos em um quarto.
Quantas vezes Christopher imaginara os braços de Peter o envolverem por trás? Nem mesmo Christopher sabia dizer.
Mas não podia ser assim. Se um dia conquistasse Peter, seria em um momento perfeito para os dois. Peter estava machucado, abalado com a possibilidade de perder seu bem mais precioso. Christopher era homem suficiente para não se aproveitar da situação.
Os olhos azuis de Peter o encaravam. Refletiam o intimo de sua alma.
--- Vou ligar para Luigi. Acertar as coisas.
Sua voz saiu firme. Seu coração ainda poderia estar doendo, mas já começara a bater com mais facilidade.
--- Faça isso.
Peter se levantou da cama e pegou seu celular. No visor, a mensagem “Você tem uma nova mensagem de voz” era exibida.
Apertou o botão da secretária e digitou a senha de quatro dígitos.
Ouviu a voz mais linda do mundo. Um pouco chorosa, amedrontada, mas mesmo assim, ainda era dele. O dono daquela voz ainda pertencia de muitas maneira á Peter.
--- Amor, sou eu. Aonde você está? Por favor, precisamos conversar. Eu... Me desculpe. Sei que não tenho sido a pessoa mais dedicada do mundo, mas, por favor, acredite em mim quando eu digo que te amo. Acredite. Eu não estou pronto para desistir de você, ainda. De nós. Volte para casa quando seu coração parar de sangrar. Eu te amo.
Peter não percebeu quando seus dutos lacrimais não puderam mais suportar o peso das lágrimas. Não se importou que estivesse acompanhado naquele quarto.
Chorou como se já tivesse perdido tudo.
Christopher foi até ele e o abraçou. Era o que Peter precisava.
Enquanto as lágrimas de Peter molhavam sua camiseta, Christopher percebeu que perdera a única coisa chance de ter Peter. Quando Luigi chegasse, Christopher seria apenas um objeto de conciliação.
Não existiria um casal chamado Peter e Christopher. Nunca existiu tal casal com tal nome. Dali a alguns instantes, seria como sempre foi: Peter e Luigi. Dois corações que batiam no mesmo ritmo. Mate um coração e estaria matando os dois, porque eles dividiam o mesmo espaço.
Suspirou fundo e aproveitou os últimos momentos que restavam. Passou a mão pela nuca de Peter, depois pelas costas. Não teve coragem de fazer mais do que isso.
Sentiu a textura lisa dos cabelos louros de Peter. Sentiu seu cheiro doce, sentiu seu coração bater forte e ritmado.
Alguém batia na porta do quarto. Christopher sabia quem era. Tinha recebido a ligação de Luigi e o informara que Peter tinha o chamado para conversar.
Como despedida, deu um rápido beijo nos lábios de Peter.
--- Eu estarei livre para você, quando você também estiver.
Peter estava sem reação. Percebeu que aquele homem, de alguma maneira, estava em seu coração. Não da mesma maneira como Luigi. Seu coração pertencia a Luigi. Mas sem saber, Luigi carregava um pequeno sentimento que era destinado á Christopher.
Christopher foi até a porta com a cabeça baixa. Tinha feito tudo que podia.
--- Obrigado --- disse o homem do outro lado da porta.
--- Luigi, cuide bem dele. Ele é... Único.
Luigi balançou a cabeça positivamente.
Christopher saiu do quarto, abrindo passagem para Luigi entrar.
Fechou a porta atrás de si. Em sua memória ficou apenas os breves momentos em que os lábios de Peter tocaram os seus.
Ficaram se olhando por alguns minutos. Nenhum dos dois tinha coragem de iniciar a conversa. Tinham medo de que fosse a ultima conversa amigável que eles tivessem.
Foi Peter que cortou o silencio.
--- Oi.
--- Oi. Como está?
Eles estavam divididos por uma distancia de um metro e meio.
Parecia o oceano atlântico. Podiam ver os campos de icebergs.
Peter não agüentava mais. Correu para os braços de Luigi, querendo senti-lo mais próximo. Quando os braços de Luigi o envolveram, as lágrimas voltaram a cair.
--- Eu te amo --- foi o que conseguiu dizer entre as lágrimas --- Eu acredito em você, eu te amo muito.
--- Tudo bem, meu amor. Tudo bem --- Luigi não queria chorar mais --- Vamos ficar bem. Eu prometo, vamos ficar bem.
Os lábios de Peter encostaram suavemente no pescoço de Luigi. Sentia falta disso. Sentia falta de ter a certeza que ele e Luigi estavam bem.
Os últimos acontecimentos foi uma correnteza fria e impiedosa. Jogou um para cada lado, tentando separa-los.
Mas a calmaria já estava ali. Sentiu paz novamente.
Quando Luigi se afastou e olhou profundamente nos olhos de Peter, ele só via a verdade.
--- Quer me dizer algo? Perguntar algo? --- disse Luigi.
Peter não precisou pensar muito.
--- Quem é Eric Walker?
Luigi suspirou e contou tudo para Peter. Desde quando começou, com aquela primeira tentativa de fazer sexo na sua sala, até mesmo o ocorrido naquela tarde, em que Eric deixou um preservativo usado na casa deles.
Peter não sabia o que dizer. Como um garoto de 17 anos pode fazer todo aquele clima no relacionamento dele?
Luigi o olhava, querendo ter a sua vez de perguntas e respostas.
--- Você e esse Christopher. Tem algo para me contar?
Aquela sentença estava errada. Completamente errada.
Agora Peter podia pensar com mais lucidez. Christopher era apenas um amigo. Um bom amigo.
--- Não existe um “eu e Christopher”.
--- Então acabou?
--- Amor, nunca começou. Nunca houve nada.
Luigi não olhava para Peter. Tinha medo de ainda haver suspeita em seu olhar.
Peter levantou seu rosto com a mão.
--- Acredite. Sempre foi Peter e Luigi. Sempre será.
Era isso que Luigi precisa escutar. Se inclinou para Peter e o abraçou forte.
Sussurrou em seu ouvido.
--- Mesmo quando você estiver em um navio, á centenas de quilômetros de distancia, com Christopher?
Peter tinha se esquecido disso. A viagem estava quase chegando.
--- Mesmo quando eu estiver dentro do próprio Titanic naufragado. Não importa a distancia. Sempre serei seu.
Luigi virou seu rosto para ficar de frente para Peter. Sentia a respiração dele.
--- Vamos para casa --- disse Peter --- Esse lugar é horrível.
Luigi sorriu e se levantou. Quando se dirigiam para a porta, abraçou Peter por trás e deu um beijo na sua nuca.
Quando entraram no carro, ficaram de mãos dadas. Tinham medo de que o oceano atlântico voltasse e os separasse novamente.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
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